Um estudo do grupo de reflexão Bruegel, elaborado por Sílvia Mercer e Jean Pisany-Ferry, concluiu que “se esperava que a moeda única tornasse a balança de pagamentos (contas externas) irrelevante para os Estados membros da Zona Euro” e afinal aconteceu o contrário. O estudo é citado por Martin Wolf, colunista do Financial Times, no seu livro As mudanças e os choques, agora traduzido para português (ed. Clube do Autor, pág. 87).
Para M. Wolf “a maior lição da crise é a de que a balança de pagamentos continua a ter tanta importância no interior de uma união monetária como no seu exterior (…) Talvez até mais, uma vez que os países em crise já não podem recorrer à desvalorização da moeda”. A ilusão da irrelevância das contas externas num país pertencente à moeda única foi partilhada durante anos pelos mercados, que emprestavam dinheiro a Portugal a juros muito próximos daqueles que cobravam no crédito à Alemanha. Os mercados são frequentemente irracionais; neste caso, só acordaram quando em 2010 rebentou a crise na Grécia.
Mas a teoria defendendo aquela alegada irrelevância foi seguida por vários economistas, como Vítor Constâncio, na altura governador do Banco de Portugal. Naturalmente que essa posição contribuiu para o desinteresse do segundo governo de Sócrates quanto ao endividamento externo de Portugal, que financiou muita despesa que não deveria ter sido realizada.
Note-se, por outro lado, que Constâncio alertou várias vezes para o facto de o Estado português, as empresas e os sindicatos não terem interiorizado as exigências do euro. Não alteraram o seu comportamento após ter deixado de ser possível desvalorizar a moeda – ou seja, desde que entrámos no grupo inicial do euro, em 1999, quando se tornou impossível recorrer a esse meio expedito (e, a prazo, pouco eficaz e empobrecedor do país).
A crise da dívida soberana na Zona Euro não teve na raiz apenas, nem talvez sobretudo, irresponsabilidades dos países com défices externos (mais importantes do que os défices orçamentais). Há defeitos na arquitectura do euro, que só em parte estão a ser enfrentados, nomeadamente com a edificação de uma união bancária.
Por exemplo, a coordenação de políticas económicas na Zona Euro é praticamente limitada a vigiar a austeridade orçamental dos parceiros no euro, em que se empenha a Alemanha. Daí os grandes excedentes externos alemães, enquanto outros países da Zona Euro se debatem com défices externos preocupantes. Ora coordenação, aqui, implicaria perceber que não podem todos simultaneamente apostar na exportação, antes devendo tentar em conjunto atenuar os desequilíbrios – défices e excedentes.
Por outro lado, as vulnerabilidades do euro só podem ser combatidas com mais integração política. Mas como, se as opiniões públicas europeias se estão a afastar do projecto de integração – algo que ainda há duas semanas se viu nas eleições dinamarquesas?
Crónica originalmente publicada na edição em papel do SOL de 03/07/2015