Pedro Santana Lopes e as sondagens: inimigas da democracia?

1. A Editora Alêtheia acaba de publicar um livro sobre um tema relativamente ignorado na discussão sobre o sistema político português: as sondagens. Tem-se entendido – erroneamente – que as sondagens são um fenómeno exógeno ao sistema político, não o condicionando, nem o influenciando. Isto porque se presume que as escolhas dos eleitores são genuínas, conscientes,…

2. Mas são: as sondagens,  como muito bem explica Paulo Portas em escrito, publicado como posfácio, neste livro – têm um peso determinante no juízo político final dos eleitores indecisos. As técnicas utilizadas para as projecções – ou seja, a distribuição do voto potencial dos indecisos – não são indiferentes para explicar as tendências de subida ou descida dos candidatos: por exemplo, as sondagens poderão potenciar ou refrear a possibilidade de um dos partidos atingir maioria absoluta. Basta que indiciem a existência (ou inexistência) de uma dinâmica de vitória.

3. Afinal, de que livro falamos? O seu título é “ Insondáveis Sondagens”, da autoria de Diogo Agostinho e Alexandre Guerra. Pese embora os autores revelarem no título que acham que o tema das sondagens é imperscrutável – insondável -, a verdade é que se abalançam numa investigação séria (todavia, não exaustiva) para compreender as lacunas, as falhas, os métodos, a utilidade das sondagens políticas. São os autores profissionais ligados, directa ou indirectamente, ao sector das sondagens? Não: Diogo Agostinho e Alexandre Guerra são dois jovens que colaboram com Pedro Santana Lopes na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, sendo o primeiro seu chefe de gabinete. E um muito eficiente chefe de gabinete. A ideia para a escrita deste livro surgiu precisamente de uma sugestão, em conversa fora das horas de expediente, entre Santana Lopes e Agostinho/Guerra.

4. Evidentemente que – não obstante Pedro Santana Lopes, no prefácio, se revelar muito incomodado com as interpretações políticas da publicação de um livro sobre sondagens pelos seus colaboradores mais directos em período em que o próprio Santana é visado… pelas sondagens – o livro tem um objectivo político muito claro. O de desvalorizar as sondagens como meio de selecção dos candidatos políticos a um determinado cargo. Leia-se, a escolha do candidato presidencial para 2016 não deve ser baseada, apenas ou exclusivamente, nas preferências reveladas pelas sondagens eleitorais.

5. Para passar esta mensagem – muito querida e favorável a Pedro Santana Lopes – os dois autores até cometem um erro metodológico – ao analisarem alguns casos de desconformidade entre resultados previstos nas sondagens e os resultados eleitorais “oficiais”, incluem o caso das eleições presidenciais de 2016. Ora, como todos sabemos, estamos em 2015: o que significa que as eleições só se irão realizar em Janeiro próximo. Portanto, ainda não sabemos os resultados oficiais! Por que razão Agostinho/Guerra colocam, lado a lado, o estudo das eleições europeias de 2009, o estudo das legislativas de 2011…e as presidenciais de 2016?

6. Dir-me-ão: “ah é que os autores fazem uma comparação entre as diversas sondagens já realizadas para as presidenciais para mostrar as suas flutuações”. Muito bem: é, portanto, uma comparação entre sondagens. Mas então, se é uma comparação de sondagens, não poderá ser dado como um exemplo similar às europeias de 2009 e das legislativas de 2012, em que as realidades objecto de comparação são, por um lado, as sondagens; por outro, os resultados eleitorais definitivos. Agostinho/Guerra deveriam, em nome do rigor analítico e científico, explicitar a sua metodologia e as razões pelas quais incluem a análise das presidenciais para demonstrar a pouca fiabilidade das sondagens. Não o tendo feito, soa a exemplo com objectivos políticos claros – e não como meio para uma investigação rigorosa.

7. Até porque o leitor mais cauto poderá questionar as lacunas do livro: por exemplo, se os autores incluíram a análise das várias sondagens feitas para as presidenciais (criticando-as) – por que razão não incluíram a análise das sondagens feitas para as legislativas de Outubro? Neste caso, as sondagens têm sido ainda mais díspares, com claro prejuízo para Pedro Passos Coelho e Paulo Portas. Por que não as analisaram aos autores? Do ponto de vista da tese que pretendem demonstrar, seria muito mais útil e eficaz do que as sondagens para as presidenciais. Uma leitura maniqueísta diria que a escolha se deveu ao facto de numas eleições se incluir o nome de Pedro Santana Lopes – e noutras não. Com toda a certeza, essa não será a explicação. Foi apenas uma gestão de tempo e de trabalho e razões editoriais – apostamos.

8. Dito isto, no final da leitura do livro “Insondáveis sondagens”, ficamos com um sentimento de incompletude, de “amargo de boca”. Os autores adoptaram um estilo demasiado colado à reportagem jornalística, muito narrativo – e muitíssimo pouco analítico. É pena: Agostinho/Guerra têm inteligência, conhecimento e experiência política para suscitar novas pistas de reflexão, novas abordagens, novas soluções para este problema (ou desafio) da democracia que é a transparência das sondagens. Ficaram pela descrição – e abandonaram a explicação. Talvez Agostinho/Guerra voltem ao tema, em livro mais denso, brevemente. Seria bom para todos.

9. Não obstante algum défice de originalidade do livro, são de destacar as seguintes ideias: i) os principais clientes das sondagens são os partidos políticos e não os órgãos de comunicação social; ii) o PS é sempre o partido mais beneficiado nas sondagens; iii) os EUA e o Brasil são dois exemplos de sofisticação de marketing político e de rigor das sondagens aí produzidas, com destaque para a Gallup norte-americana.

10. Tudo isto dito e ponderado, aí está um contributo interessante para a discussão sobre as sondagens, seus métodos e controlo. A ler.

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