Quem desdenha quer comprar

Esta semana seria impossível abordar outro assunto, daí que todas as publicações possam parecer temáticas.

A Grécia.

Por entre tudo o que já foi dito e opinado, de todas as grandes cisões que já sucederam entre amigos, parentes, conhecidos e desconhecidos dadas as posições antagónicas de cada lado, no meio disso tudo, acho que nos encontramos todos num lugar em que, se ainda tivermos em nós uma sobra de humanidade, é difícil não sermos solidários para com o povo grego. 

Achava eu, que muito provavelmente tenho um coração mole. 

Há dois motivos pelos quais me apeteceu hoje escrever sobre a Gécia. 

O primeiro, muito simples, tem a ver com o facto de existir uma comunidade de países à qual chamamos União Europeia, que além de podre, está velha, chata, cinzenta, e que se pode confundir com uma criança mimada, daquelas que bate a todas as outras crianças no intervalo, ou com um velho ranzinza, com uma memória curtíssima.  

O sonho europeu parece afinal que nunca existiu, e aquilo que podemos constatar agora é que ou dançamos todos ao som da schlager ou acaba-se a festa. E isto quer mais ou menos dizer que a tal ideia de liberdade é só uma ideia, que convém não transmitir nem reforçar por aí além. 

O segundo motivo pelo qual me apetece escrever hoje sobre a Grécia é muito mais maravilhoso e interessante; fala-se muito daquela ideia de herança cultural que tem sido bastante evocada desde a eleição do Syriza; é a coragem. A coragem do povo grego ao atirar-se assim rumo ao desconhecido, rumo à abstracção. A coragem de um povo que não quer bater a bola baixa, muito menos dançar schlagers embora seja Verão. A coragem de um povo que mantém verdadeiramente a sua identidade na amálgama de normalizações impostas pela Europa, que não é mais do que uma organização económica, como podemos constatar. 

A manutenção da identidade individual de cada estado membro tem, afinal um preço altíssimo e impossível de pagar, não é reversível e tem apenas a possibilidade de negociar de forma unilateral, quando o vento está de feição e a Lua alinha com Júpiter. 

Nisto da linhagem e do berço que a Grécia é, do berço que tem sido evocado como justificador supremo para a vitória do ‘não’ que abre as portas para o desconhecido, para o inédito, verifica-se que sim, que há uma herança impregnada no código genético grego: uma herança de pensamento livre que não conhece o medo, muito menos o medo do novo. Mas já que vamos evocar heranças, o ideal é refrescar a memória e arrolar todos os bens: era importante que a Alemanha desistisse desta postura de senhora ofendida que quer o seu dinheiro de volta e se lembrasse que no tempo da sua avó, a Grécia e mais 69 outros estados a quem devia, estiveram envolvidos no perdão a uma dívida absurda e incomportável a uma senhora cuja credibilidade era bastante duvidosa e tão conflituosa que já causara duas guerras mundiais. Se não fosse o Plano Marshall e a flexibilidade com que as suas dívidas foram geridas, a Alemanha soberba de hoje, certamente não existiria. Heranças? 

A Europa está de costas voltadas para os seus estados membros, tendo-se reduzido a uma zona económica em que o seu activo mais importante é o capital e não a diversidade cultural. Em que tudo são burocracias e medidas inajustáveis às especificidades de cada parte. A Europa é um armazém grossista, e o tratamento oferecido à Grécia é a prova dessa atitude, desse desdém. 

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