Vítimas de cativeiro podem ficar para sempre em instituição psiquiátrica

Um mês depois de terem sido resgatados do cativeiro em que viveram durante vários anos, forçados pela mãe e dentro da própria casa, em Cascais, Ana e António Tavares foram para uma instituição psiquiátrica e poderão nunca mais de lá sair. O Ministério Público considera que os dois irmãos, um dos quais foi encontrado enjaulado…

Segundo apurou o SOL, os dois adultos com 39 e 41 anos, estiveram mais de um mês internados no Hospital de Cascais, para onde foram levados no dia 2 de junho, quando a GNR entrou em sua casa e descobriu António fechado a cadeado num quarto com grades, em condições indignas. Ana não estava acorrentada mas a vaguear pela casa, de onde não saía há muito tempo, segundo relatos dos vizinhos.

Na semana passada, os dois irmãos foram encaminhados para o Centro Social do Pisão, uma instituição que pertence à Santa Casa da Misericórdia de Cascais e que acolhe doentes mentais para estadias prolongadas ou sem expectativa de regressarem a casa.

Se o tribunal aceitar os pedidos de interdição pedidos pelo Ministério Público, os dois adultos passam a ser considerados incapazes de governar a sua vida e os seus bens e passarão a ter um tutor, que fica encarregue de tomar decisões sobre a sua vida, tal como acontece com os menores. Contactado pelo SOL, o Centro Social do Pisão não quis falar deste caso, mas admite que tem vários utentes nesta situação, ou seja, dos quais é tutor.

São ainda poucas as informações sobre a situação clínica e familiar destes adultos que estiveram durante anos fechados dentro de casa, sem que a maioria dos vizinhos se apercebesse. Os serviços sociais do hospital e do Centro do Pisão tentam agora apurar mais informações que permitam reconstruir o seu passado. Na altura da detenção, Ana e António apresentaram um discurso confuso, incoerente e não souberam explicar há quanto tempo estavam nessa situação.

Contactados pelo SOL, os vizinhos garantem que os dois eram crianças normais e saudáveis que brincavam com os outros menores do bairro, e atribuem a situação psíquica aos maus tratos a que foram submetidos ao longo dos anos. Na altura da detenção, a mãe chegou mesmo a dizer que os prendia em casa para os proteger. Suspeita do crime de maus tratos está agora detida no Estabelecimento Prisional de Tires.

Casa já foi limpa e regresso do pai das vítimas assusta vizinhos

João Tavares, pai de Ana e António, não foi considerado suspeito dos crimes de maus tratos, apesar de partilhar o mesmo agregado familiar e já regressou a casa. Na altura da detenção da mulher e dos filhos, foi acolhido na Casa de Saúde Mental da Idanha, em Belas, de onde se ausentou mais do que uma vez. Entretanto, a Câmara Municipal de Cascais, em articulação com a GNR, procedeu à limpeza da habitação que estava em péssimas condições sanitárias e foi considerada um caso de saúde pública. Filipe Costa, comandante da GNR de Alcabideche, que descobriu esta situação de cativeiro, disse ao SOL que a chave da casa já foi devolvida ao tribunal, pelo que a habitação fica agora nas mãos da família.

No bairro da Amoreira, o regresso de João Tavares na passada segunda-feira está a causar apreensão. O casal sempre foi problemático com a vizinhança e a polícia era chamada regularmente ao local pelos vizinhos que se queixavam de ser agredidos e ameaçados, especialmente por Maria Varela, a matriarca da família.

Em curso, apurou o SOL junto da Procuradoria-geral da República, prossegue ainda o inquérito disciplinar ao procurador do Tribunal de Cascais que em 2011 recebeu uma queixa-crime da Segurança Social sobre esta família e arquivou o caso.

rita.carvalho@sol.pt

Cativeiro de homem de 41 anos tinha apenas um balde e um colchão