Com o lóbi verifica-se idêntico temor, mas agora no imaginário do adulto, e em especial pelo desconhecimento face a esta realidade. Acontece que o lóbi existe, e sempre existiu, desde que nos começámos a organizar em comunidades políticas. E a sua missão é legítima, quando devidamente desempenhada. Recorde-se, aliás, a virtuosa utilização de lobistas por Portugal, nos anos 90, nos EUA, no quadro do esforço da libertação de Timor-Leste.
O primeiro lobista americano de que há registo foi William Hull, contratado pelos veteranos do exército Continental, nos idos de 1792, para convencer o Congresso a atribuir uma compensação adicional pelos serviços por aqueles prestados na guerra.
Antes e depois dele muitos foram – e são – os representantes de interesses legítimos, próprios ou de terceiros, que atuam junto de decisores públicos no sentido de influenciar a definição de políticas públicas, a orientação da legislação ou da sua regulamentação, a contratação pública ou outras decisões. Empresas, sindicatos, ONG’s e muitas outras entidades gravitam em torno do decisor, uma realidade que, como tem referenciado a OCDE, é parte natural do processo de definição da atuação pública nas democracias modernas.
Depois se ter institucionalizado o lóbi em Bruxelas a atividade cresceu até atingir o número de 30.000 lobistas, estando acreditadas no registo de transparência da União Europeia mais de 6.000 organizações. Já em Washington existem mais de 50.000 organizações registadas para o efeito. Noutros países europeus esta é também uma realidade igualmente regulamentada, como acontece na Alemanha, na Áustria, na Dinamarca, na França, na Irlanda, no Reino Unido ou na Suécia.
Acompanhando a tendência, e após largos anos de promessas, discussões e divagações sobre o tema, importa registar que houve quem avançasse com um projeto legislativo em Portugal, pelo que há que reconhecer aqui o papel central desempenhado pelo Secretário de Estado Pedro Lomba.
A este projeto não se lhe ouviu contestação senão a de o texto não incluir a atividade dos Deputados na Assembleia da República. Percebendo-se a questão colocada, o facto é que as realidades abrangidas são diversas, podendo exigir-se regulamentação específica consoante se trata da Administração, do Executivo ou do Parlamento, razão pela qual também vários países apresentam legislação cujo âmbito não é coincidente. Penso, nomeadamente, nas diferentes exigências que um sistema de “pegada legislativa” – que permite acompanhar os diferentes passos do procedimento legislativo, os contributos recebidos, as intervenções de especialistas, entre outros – tem perante procedimentos legislativos tão diversos como os do Parlamento e do Governo.
As vantagens da regulamentação são muitas. Nomeadamente por nos processos decisórios em causa se agilizar a obtenção de elementos a considerar, por se potenciar a participação de interesses sub-representados, por se elevar a qualidade e eficácia das decisões, por se conferir transparência, por se evitar melhor a captura do decisor por interesses alheios aos públicos, por se preservar melhor a autonomia intencional das instituições públicas, por se facilitar a prevenção e o combate a fenómenos de tráfico de influência e corrupção, e também, designadamente, por se permitir oferecer ao decisor uma defesa importante, que permita lançar luz sobre atuações por vezes confundidas com fenómenos patológicos. Tudo também em abono da credibilidade, da transparência e da confiança do cidadão nos entes públicos.
Penso, por tudo isto, que o temor que pode existir atualmente será melhor vencido, e com vantagens, pela corporização legal da realidade: a existência atestada do fenómeno e a regulamentação da sua atuação, a par da adoção de regras de conduta dos lobistas, poderão oferecer a segurança que hoje não temos.
* Jurista