Eduardo Catroga: ‘O 1.º ministro já não precisa dos meus conselhos’

Numa mesa, o presidente da Martifer, Carlos Martins. Noutra, o administrador da KPMG, Nasser Sattar. António Lobo Xavier, já sem gravata, percorre o lobby a caminho das mesas. Os fins de tarde no bar do Ritz são famosos pelo rebuliço que os mais poderosos emprestam àquele espaço com vista para o Parque Eduardo VII. Empresários,…

No terraço que o ex-ministro das Finanças escolhe para a conversa ao pôr-do-sol, a boa disposição é imediata. O diálogo começa com uma pequena hesitação. «É uma nova rubrica, mais descontraída. De que lhe apetece falar?», pergunto. «Não faço ideia. Opiniões políticas, análise económica, história de vida, os cargos que tive, os que rejeitei?». Opto pelo mais intrigante: as propostas recusadas.

Porquê tantas reservas?

Eduardo Catroga foi convidado para o primeiro Governo Constitucional, para o Governo de iniciativa presidencial de Ramalho Eanes e teve dois convites de Cavaco Silva antes de aceitar o terceiro, para a pasta das Finanças que o tornou famoso. Porquê tantas reservas? «A principal restrição era financeira. Tinha encargos crescentes e só aos 50 anos consegui autonomia para poder abdicar de um salário elevado».

Podia ter sido ministro da Agricultura, das Obras Públicas ou do Comércio, mas Cavaco Silva pôs-lhe um Orçamento do Estado nas mãos. Depois de integrar o Governo durante dois anos e de regressar à vida empresarial, foi convidado para funções governativas por Santana Lopes e por Passos Coelho. As rejeições voltaram. Em sete propostas ao longo da vida, só a terceira de Cavaco foi aceite. «Todas as coisas têm a sua época. Na altura em que Passos Coelho me convidou estava com 69 anos e a paciência para uma função dessas já não era a mesma. É um grande desgaste pessoal e para a família. Tive problemas de consciência mas não me consegui motivar».

Filho de um self made man que passou de operário a industrial da cortiça, Eduardo Catroga nasceu em São Miguel de Rio Torto, aldeia perto de Abrantes. O pai é a sua maior referência. Ensinou-lhe que o trabalho árduo e bem pensado dá frutos. Apoiou-o sempre nas opções que tomou em Lisboa. Quando Eduardo se casou, foi morar para um prédio que o pai havia comprado na Rua Joaquim António de Aguiar. Do terraço do Ritz aponta para o edifício, do outro lado da rua. «Ainda hoje é meu. Queremos mudar a pintura, mas não há consenso na família sobre a cor».

 O pai tinha planos ambiciosos para ele, que desembocavam no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF), actual ISEG. Eduardo não o desapontou: o melhor aluno do curso cedo deu nas vistas. Na CUF teve uma ascensão meteórica e chegou a administrador aos 31 anos.

Está agora no Conselho Geral e de Supervisão da EDP. «Tenho uma vida intelectual activa. Trabalho dez horas por dia, continuo a estudar. Decidi não me reformar. Vou continuar a trabalhar enquanto me der gozo e tiver mercado». Quando abordo as relações com os investidores chineses da EDP, dá-se uma retracção corporal: cruza os braços, pela primeira vez numa conversa de hora e meia. Joga à defesa. «É um processo de aprendizagem recíproca. O elemento fundamental é ganhar confiança. Quando isso acontece todo o relacionamento se torna mais fácil».

A compra da empresa eléctrica por investidores de Pequim implicou uma mudança de fundo, para não ficar perdido nas traduções de mandarim. «Tive de contratar uma secretária chinesa», uma estudante chinesa em Portugal, que já falava português escorreito. «Estudou Camões, Gil Vicente e Pessoa. Fiz-lhe uma pequena entrevista e contratei-a logo. Quando vou à China vai sempre comigo. É muito eficiente».

Tertúlias com amigos

Não se consegue ser uma personalidade influente durante décadas sem ter capacidade para fazer pontes. Catroga só se torna crispado quando fala do Governo Sócrates. Recorda as obras públicas sem retorno, a desorçamentação, o «descalabro». Na esfera política, Passos Coelho aproximou-se de Eduardo Catroga quando concorreu às eleições de 2011. O gestor aconselhou o futuro primeiro-ministro e foi o homem escolhido para liderar as negociações com o PS para o programa da troika. Quatro anos e uma rejeição de um cargo ministerial depois, a relação esfriou.

«Nesta legislatura conversei três vezes com o primeiro-ministro, fui convidado para almoçar com ele. Mas nos últimos dois anos não tenho tido esse privilégio». Cruzam-se em conferências, Catroga manda-lhe por e-mail as intervenções que faz sobre economia portuguesa e europeia, mas é notória alguma pena por ser agora uma relação distante: «O primeiro-ministro já há muito que não precisa dos meus conselhos».

Guarda tempo para os mais próximos. Participa em três tertúlias regulares de amigos: uma de direita, outra de centro e outra de esquerda. A mais inesperada, a de esquerda, é um grupo que começou por almoçar todas as sextas-feiras na cervejaria Trindade e agora passou para a Associação 25 de Abril. «Come-se melhor e é mais barato».

Neste caso, são amigos do Instituto Comercial de Lisboa, da Escola Comercial Veiga Beirão e do ISCEF. Sempre que vai ao almoço de sexta, termina o encontro com um passeio de braço dado pelo Chiado, com uma companhia de longa data: Octávio Teixeira, o histórico do PCP. «É um grande amigo. Muitas pessoas ficam a olhar quando nos vêem a passear. Já em 1995 os jornalistas estranhavam a nossa relação fora do debate parlamentar». Carlos Carvalhas, ex-secretário-geral comunista, também costuma ir aos almoços, mas «está a faltar muito».

Bar: Esplanada do RITZ

Bebidas: Água tónica com limão e sem gelo para Eduardo Catroga, Ginger Ale e Água das Pedras para os jornalistas

Conta: 28,8 euros