Um festival bem orquestrado

O director artístico do Jazz em Agosto, Rui Neves, lembra na nota de apresentação que escreveu para esta edição que a presença de grandes orquestras é “uma das características que têm firmado a identidade do festival” e que reflectem a “intemporalidade do jazz”, mas neste ano estamos perante uma aposta em triplicado. Em oito concertos…

A representação lusa não se fica pela orquestra do Norte, dirigida por Christoph Cech. Na quarta-feira é a vez de o RED Trio. Um regresso ao Jazz em Agosto, depois de aí terem actuado em 2010. E que foi determinante na sua afirmação. “Notámos que foi importante, uma vez que a divulgação extra ajuda a aparecer. O Jazz em Agosto traz muitos críticos estrangeiros e músicos, é um pólo de contacto que nos ajudou a entrar no circuito”, comenta o contrabaixista Hernâni Faustino.

Com Rodrigo Pinheiro (piano) e Gabriel Ferrandini (bateria), o trio foi fundado em 2007 e é hoje um dos mais bem-sucedidos de jazz improvisado. “É curioso que os nossos primeiros ensaios foram mais a conversar do que tocar”. Nesses tempos ensaiavam duas vezes por semana. Ouviam o que tinham tocado e depois “discutia-se muita coisa”, conta o contrabaixista. “Foi um período fundamental para o resultado do que somos hoje, este trabalho de laboratório”.

Peso igual

Desse trabalho inicial ficou estabelecido que não há liderança nem hierarquia estabelecida. “É o que faz sentido em quem se move na improvisação, em que tudo acontece em tempo real e cada um de nós tem um papel igualmente importante. Todos os instrumentos têm a mesma importância, não há a questão do pianista com os outros a acompanharem. E o Gabriel não é um baterista que marca, não entra num esquema em que se fique a bater o pé”.

Prova da precariedade das condições dos músicos em Portugal – inclusive dos que estão estabelecidos – só há quatro meses é que o grupo restabeleceu a regularidade dos ensaios. Faltava um espaço em que coubesse o piano. “Ensaiávamos com um teclado, mas não era a mesma coisa e parámos. Só dávamos concertos”. Talvez reflexo dessa particularidade as últimas três gravações (North and the Red Stream, Mineral e Live in Munich) sejam de concertos ao vivo.

De qualquer das formas, é em palco que se sentem como peixe na água: “Os concertos são outra coisa, não só pela adrenalina, mas também pela envolvência que faz com que as coisas funcionem muito melhor”.

E é directamente em palco, sem a rede de ensaios prévios, que o RED Trio vai reencontrar-se na quarta-feira à noite com o saxofonista John Butcher. “Não faz sentido ensaiar, íamos perder energias. Sabemos os terrenos em que nos movemos e ele tem enorme facilidade em partilhar o seu talento connosco”. O músico inglês, um físico de formação, é um autodidacta – como Hernâni Faustino – “incrível”. A sua colaboração com o trio português iniciou-se em 2010 e foi invulgar desde o primeiro minuto. Conheceram-se em estúdio e foram logo gravar. O resultado é o disco Empire. “Tocar com o John é acção-reacção, a qualquer coisa que acontece no piano ou nos pratos, ele reage. É um músico sempre surpreendente e faz-nos tocar outras coisas”.

O top de Hernâni Faustino

Para o contrabaixista, antigo sócio da editora Clean Feed, é “a não perder” o concerto de Wadada Leo Smith (dia 8). “Com ele vem o saxofonista e flautista Henry Threadgill, também importante no jazz que se faz hoje nos Estados Unidos, principalmente daqueles que vêm de Chicago”.

No segundo lugar, o concerto de abertura do festival, a Fire! Orchestra, do sueco Mats Gustafsson (regressa ao palco no domingo com o Swedish Azz, que dá nova vida ao jazz escandinavo das décadas de 50 e 60), nada menos que 19 músicos em palco. “É um projecto que tenho seguido e estou curioso. Nestes últimos trabalhos, com as duas cantoras, apresenta canções desenvolvidas, que funciona em camadas”.

Por fim, o músico português escolhe o concerto de Lok 03, com os pianistas Alexander von Schlippenbach e Aki Takase e o DJ illvibe, filho de Schlippenbach, na quinta-feira. Lok 03 faz a banda sonora de dois filmes, dos quais se destada Berlim: Sinfonia de uma Capital, filme experimental de 1927. “É como se fosse uma viagem de comboio”.

cesar.avo@sol.pt