Erdogan: jogo duplo

O atentado de dia 20 em Suruc, que matou 31 pessoas, além do bombista suicida, foi perpetrado por uma organização secreta ligada ao Presidente Recep Tayyip Erdogan. Aacusação provém da mais recente estrela da política turca, Selahattin Demirtas, o líder do Partido Democrático do Povo (HDP, na sigla turca), formação pró-curda e progressista.

Demirtas afirmou que todos os Estados têm práticas “sujas”, mas que esta organização nem sequer está ligada ao Estado. “Foi esta organização especial Gládio (referência à Operação Gládio, conjunto de acções anticomunistas realizadas por um exército de retaguarda clandestino durante a Guerra Fria em vários países europeus) que conduziu o massacre de Suruc”, acusou Demirtas perante o seu grupo parlamentar, sem apresentar provas.

Menos explosivo, o mesmo dirigente político afirmou em entrevista à Reuters que Erdogan e o partido no poder, AKP, não estão interessados em combater o Estado Islâmico (EI), mas em castigar os curdos – a entrada do HDP no Parlamento retirou a maioria absoluta ao AKP e, com isso, tirou do horizonte a revisão constitucional sonhada por Erdogan para mudar o sistema político para presidencialista – e “impedir a formação de uma entidade curda no Norte da Síria”.

Ancara vê com preocupação o avanço dos curdos – em contraste com a forma impassível como lidaram durante meses com a passagem de jihadistas pelo território, ou pelo contrabando de petróleo que tem alimentado o EI.

Em visita à China, Erdogan classificou as acusações de Demirtas de “ordinárias” e “impertinentes”.

Se a primeira acusação é impossível de provar, já a segunda é. A partir do momento em que Ancara, em resposta ao atentado em Suruc, anunciou uma mudança de estratégia para defender a integridade territorial – chamando a NATO à pedra e permitindo que os Estados Unidos utilizem duas bases aéreas para atacarem o Estado Islâmico –, o maior número de ataques aéreos, de vítimas e de detenções têm como denominador comum os curdos. 85% dos detidos na última semana são curdos e esquerdistas e não militantes islamistas, lê-se no El País.

Também o número de mortos de militantes do PKK, o ilegalizado Partido dos Trabalhadores do Curdistão, rondará os 200, após dois ataques aéreos, avançava ontem o Hürriyet.

Estes ataques – “uma luta sincronizada contra o terrorismo”, segundo palavras do PM Davutoglu – surgem após o Governo ter suspenso as tréguas de dois anos e meio com aquela organização independentista, considerada terrorista por Ancara, Bruxelas e Washington.

O PKK também reagiu, tendo lançado vários ataques contra postos militares e policiais, bem como a um oleoduto.

cesar.avo@sol.pt