Desde Álvaro Cunhal (1913-2005), líder histórico do PCP idolatrado pela Internacional Comunista, que a esquerda portuguesa não tinha um líder tão reconhecido. Francisco Louçã, economista, fundador e ex-dirigente do BE é o nome que se segue: a sua opinião é escutada e respeitada pelos movimentos e partidos que aspiram ser poder, como o Syriza, eleito em Janeiro na Grécia, ou o Podemos, que vai a votos em Novembro em Espanha.
Só este mês, Louçã esteve pelo menos uma vez em Espanha – onde participou como orador convidado na Universidade de Verão do Podemos, em Madrid – e na Grécia – para apresentar no Parlamento as conclusões da comissão de inquérito à dívida pública grega. O ambiente não lhe era estranho, muito menos os convites: há muito que o bloquista inspira a esquerda radical de Madrid, de Atenas e de outras capitais europeias. «O Chico é um dos economistas mais qualificados na Europa. É normal que a sua opinião seja tida em conta em partidos como o Syriza ou o Podemos», explica um destacado ex-bloquista ao SOL.
No caso da Grécia, o ex-líder do BE tem lugar cativo nos encontros com o núcleo de economistas que aconselha e trabalha com Alexis Tsipras, com quem mantém uma relação desde há sete anos. Louçã colaborou na elaboração do programa do Syriza e continuou a ser consultado nas semanas de tensão que antecederam o acordo da Grécia com os credores para um terceiro resgate, suspendendo o Grexit.
O acordo com os credores não é porém subscrito por Louçã. Para o trotskista português, o governo grego falhou ao não ter preparada a saída do euro.
Em contacto com Varoufakis
Nada disso, porém, afasta Louçã do ex-ministro das Finanças do Syriza. A relação entre os dois economistas é anterior à ida de Yanis Varoufakis para o governo. Travaram conhecimento na alta roda académica e científica que estuda o impacto das dívidas em países incumpridores. «Louçã mantém contactos informais com economistas internacionais e integrou sempre o núcleo coordenador de iniciativas pelas quais deu a cara», garante fonte próxima do bloquista.
Uma das iniciativas que Louçã coordenou foi o Manifesto dos 74 pela restruturação da dívida portuguesa apresentado no ano passado e subscrito, entre outros, por João Cravinho, António Bagão Félix, Manuela Ferreira Leite e pelo próprio Louçã. O manifesto foi apoiado por 74 economistas mundiais, entre eles Varoufakis. Louçã e o ex-ministro das Finanças grego, que mantêm contacto permanente, via internet ou presencial, para afinarem posições com vista a influenciar a agenda anti-austeridade, preparam outras iniciativas, como a convenção da dívida dos países do Sul.
Rever ex-alunos no Podemos
Também em Espanha, Louçã é um dos trunfos de Pablo Iglesias para derrotar PP e PSOE nas legislativas. O português tem dado contributos técnicos para o programa do Podemos, escrito por um grupo de economistas que se inspira em Louçã: alguns foram orientandos, nas suas teses de mestrado e de doutoramento, do ex-líder do BE.
«O Francisco esteve sempre à frente. Percebeu cedo que a questão do euro seria um limite à restruturação da dívida e que é preciso um trabalho político e técnico para o qual ele tem dado contributos», frisa Nuno Teles, investigador do Centro de Estudos Social e seu ex-aluno no ISEG – Instituto Superior de Economia e Gestão, onde Louçã, professor catedrático, dá aulas aos cursos de mestrado e de doutoramento.
Reconhecido fora da Europa
No dia em que a Grécia referendou a austeridade, Francisco Louçã, de 58 anos, assumia a pose de senador e deixava uma saída para a Grécia: «Se a Grécia introduzir uma moeda própria, com o tempo poderá recuperar a sua soberania», disse, em castelhano, a partir de Lisboa, para os microfones da RT, televisão russa que emite em espanhol.
A posição não surpreendeu e está em linha com a que é defendida no seu último livro A Solução Novo Escudo (ed. Lua de Papel, 2014), assinado com João Ferreira do Amaral. «Ele era um firme defensor do euro e da integração europeia. Mas evoluiu para uma posição mais soberanista, na medida em que considera que os países precisam de mecanismos para reagir a uma saída forçada ou não do euro», nota um ex-bloquista ao SOL.
O pós-liderança do BE – onde tem uma intervenção residual – não abrandou o ritmo diário de um activista que começou cedo a marcar as suas posições. Além de de ter dado aulas nos EUA, Louçã coordena grupos de investigação, integra o comité científico de revistas de economia e já aconselhou governos latino-americanos, quando solicitado.
«O Francisco é uma das principais figuras da esquerda portuguesa, com reconhecimento internacional, que se manteve fiel aos valores da esquerda anti-capitalista combinando-os com uma visão estratégica que inclui acção. Não é apenas um intelectual», atesta José Soeiro.
Até ao final do ano, Louçã também joga a aprovação popular da sua tese sobre as dívidas em Portugal e em Espanha. Ao mesmo tempo que Pablo Iglesias perde potenciais eleitores, depois do boom nas sondagens, o seu BE luta para igualar, pelo menos, o resultado de há quatro anos. E na Grécia, paira o fantasma de eleições antecipadas. Louçã, tal como Cunhal, será sempre fiel ao que acredita, mesmo que contrariado pela realidade.