Droga apreendida em cruzeiros

Dissimulada em lanchas, navios porta-contentores, pesqueiros, veleiros e até escondida em camarotes de navios cruzeiros – esta é a mais recente estratégia encontrada pelas redes de tráfico internacional para introduzir droga por via marítima no continente europeu.

A Polícia Judiciária (PJ) deteve, no último ano, sete pessoas que viajavam em navios cruzeiros e transportavam consigo dezenas de quilos de cocaína acondicionada em mochilas escondidas nos seus camarotes. Os suspeitos eram todos de nacionalidade estrangeira e foram abordados em cruzeiros que atracaram no porto do Funchal – só um foi detido no porto de Lisboa.

O último caso aconteceu em Março de 2014. O funcionário de um cruzeiro estranhou o facto de o homem nunca sair do camarote e avisou o comandante de que alguma coisa de errado se passaria. Alertada de imediato, a PJ esperou que o navio (que zarpara do Brasil) atracasse no porto de Lisboa. E aí fez uma busca ao camarote, onde o montenegrino de 38 anos tinha estado fechado durante toda a viagem: encontrou quatro placas de cocaína, com um peso de cerca de 4,5 quilos, escondidas debaixo das mesinhas de cabeceira.

80% da cocaína e haxixe chega por via marítima

“Esta foi mais uma via descoberta pelas redes internacionais que se dedicam ao tráfico de droga”, disse ao SOL um inspector da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes (UNCT), da PJ, lembrando que cerca de 80% da cocaína e do haxixe apreendidos em Portugal – que é a principal porta de entrada de droga na Europa – entra por via marítima.

Os porta-contentores e os pequenos veleiros (de lazer, com um só mastro e 12 a 15 metros de comprimento) são os meios privilegiados de fazer chegar a droga à costa portuguesa, onde a partir daí é distribuída para outros destinos da Europa.

Em navios porta-contentores a cocaína (oriunda da América do Sul) vem dissimulada no meio de mercadorias de todo o tipo, desde bananas a sacos de carvão e pedras preciosas. Já em veleiros, muitas são as ”formas engenhosas” de ocultar a droga. ”Há quem construa compartimentos paralelos nos depósitos de água para aí esconder a droga, outros escondem-na no próprio casco do barco. A imaginação não tem limites”, diz o investigador da UNCT.

Quando este ano, no dia 29 de Maio, os inspectores da PJ interceptaram um veleiro nos Açores, onde apreenderam mais de uma tonelada de cocaína, tiveram uma surpresa: a droga estava acondicionada numa parede interna dupla que foi construída de propósito com o material de origem do barco.

Esta foi a maior apreensão de sempre  realizada nos Açores – que se encontra na chamada ‘rota dos veleiros’, sendo ponto de paragem habitual para quem parte da América do Sul e precisa de fazer pequenas escalas para reabastecer, fazer pequenas reparações ou mesmo operações de transbordo de droga para outros barcos.

Velejadores tornam-se ‘correios de droga’

A bordo daquele veleiro de competição, que tinha mais de 20 metros e que partira das Caraíbas, vinham cinco homens, quatro sérvios e um alemão, alguns já com passado criminal e larga experiência em navegar à vela. ”Geralmente quem traz os barcos são cidadãos europeus, mas quem lidera estas organizações são sul-americanos (sobretudo colombianos), que recorrem a pessoas com experiência na arte de navegar”, explica o inspector da UNCT. Muitas, acrescenta, são velejadores de profissão que ganham a vida prestando todo o tipo de serviços a bordo dos seus veleiros, incluindo roteiros turísticos. “Só que alguns oferecem-se às organizações para transportar droga”.

Em Outubro do ano passado, dois ucranianos a bordo de um veleiro de 13 metros foram abordados ao largo de Sagres pela PJ. Lá dentro, tinham cerca de 660 quilos de cocaína distribuídos em sacos de serapilheira, que davam para elaborar mais de dois milhões de doses individuais, num valor de venda ao consumidor superior a 30 milhões de euros. O veleiro foi sinalizado logo nas Caraíbas, de onde partiu, pela Drug Enforcement Administration americana, que alertou a PJ para as suspeitas de o barco transportar uma larga quantidade de droga.

Redes falsificam registo dos barcos

A cooperação internacional, sublinha o inspector da UNCT, é ”muito importante”, além da investigação desenvolvida pela própria Polícia. ”Não é à toa que tropeçamos em barcos. Muitas operações resultam de investigações que demoram meses, com escutas e vigilâncias”.

O veleiro onde viajavam os dois ucranianos – que há cerca de um mês foram condenados a dez anos e seis meses de prisão efectiva por tráfico de estupefacientes – também chamara a atenção por não ter bandeira do pavilhão (o que contraria as regras da navegação) e, além disso, tinha um número de registo caducado há vários anos. Era, portanto, um barco pirata. O que aparentemente terá sido um descuido, já que o modo de actuação das redes internacionais de tráfico de droga é muito elaborado e as operações de travessia são planeadas ao pormenor. ”Por exemplo, partem das Caraíbas carregados com cocaína mas como sabem que recaem suspeitas sobre eles, a meio do percurso alteram o nome e o registo do barco, para despistar as autoridades. E é tudo acautelado, inclusive com documentação forjada”, explica o inspector da UNCT.

No momento de desembarcar, também nada é deixado ao acaso. E não raras vezes os traficantes recorrem a portugueses, a pensar no apoio logístico que podem prestar nos locais onde a droga é descarregada. ”Quando cá chegam precisam de gente para ir buscar, armazenar e fazer circular a droga. E se for gente que conhece bem o terreno e a língua, isso facilita muito”, diz ainda o investigador da PJ.

sonia.graca@sol.pt