Made in 中国

O vestido amarelo imperial que, em Maio, a cantora Rihanna levou à gala do museu MET, em Nova Iorque, fez correr tinta. Pesava 25 quilos, demorara dois anos a estar pronto por ser feito à mão e tinha sido desenhado por uma estilista pouco conhecida. Os holofotes viraram-se para a chinesa Guo Pei, conceituada na…

Naquele momento, a China da produção massiva de roupa barata e nem sempre de qualidade, que copia malas Louis Vuitton e lojas inteiras da Ikea, apoderava-se do tapete vermelho onde brilham as tendências ditadas por Paris ou Londres. O país do meio – as suas marcas, empresas e criadores – está definitivamente a impor-se no mercado global.

“Na China convive-se bem com paradoxos: pode-se ser a fábrica do mundo e lutar por estar na crista da onda em inovação. Ao contrário do que se pensava, os chineses não estavam apenas a produzir os desenhos dos outros e a copiar. Estavam a aprender e a desenvolver um mercado próprio que exige novidades”, analisa Virgínia Trigo, professora universitária e coordenadora de programas do ISCTE na China. “A ligação entre universidades e empresas e um forte enquadramento governamental permite acumular conhecimento para ‘dar o salto’ tecnológico e lançar produtos inovadores capazes de concorrerem com os ocidentais e japoneses”, continua.

A investigadora e autora de vários livros sobre a economia chinesa lembra por isso que o dragão asiático tem vindo a destacar-se na produção de tecnologia, nos serviços – “incluindo a internet bancária, em que estão muito avançados” -, no design. Muito graças ao colossal mercado interno, a milionárias aquisições de congéneres ocidentais e ao recrutamento de quadros na meca da era tecnológica, Silicon Valley, nos EUA.

O despertar hi-tech

As chinesas Lenovo – há anos um gigante na venda de computadores pessoais – e Xiaomi, fundada em 2010, têm disputado o terceiro lugar no negócio dos smartphones, atrás da Samsung e da Apple. Já a concorrente Huawey acaba de chegar à terceira posição das companhias que mais comercializam telemóveis, ultrapassando a Microsoft. Também a tecnológica ZTE já conquistou um lugar de destaque.

No ano passado, o grupo de comércio electrónico Alibaba protagonizou a maior entrada em bolsa de sempre: os investidores pagaram 19,5 mil milhões de euros para ficar com uma parcela do capital. Superou os anteriores recordes que já pertenciam a dois pesos-pesados chineses: o Agricultural Bank of China e o Industrial and Commercial Bank of China (ICBC). Nesta estreia em Wall Street, o dono do Taobao (o Ebay chinês) chegou a ultrapassar o valor em bolsa do Facebook e o do Ebay e da Amazon juntos. “Parece que estiveram ‘incubados’ durante anos e agora toda a criatividade explodiu”, nota Virgínia Trigo.

Investimento a crédito

Nas últimas décadas, a China tem vindo a construir a sua influência à escala planetária. Adoptou uma política económica menos planificada e mais aberta ao mercado. Passou de uma economia agrícola e rural para um modelo baseado na indústria, nos serviços, no mercado de capitais. Tornou-se na segunda maior potência mundial. É o primeiro exportador, com as exportações a crescerem em média 12,5% entre 2010 e 2014, embora isso também a deixe no topo das importações. Estimula o consumo interno.

O problema é que grande parte do crescimento da China se baseou em crédito. As bolsa de Xangai e Shenzhen têm vivido dias agitados, com os investidores a recearem o rebentar da ‘bolha’ e a temerem dificuldades se o país não mantiver o ritmo de crescimento, que tem rondado os 7%.

A nova politica de expansão

Se no final da década de 90 introduziu a estratégia Going Out, lançando-se nos mercados externos, a China tem vindo a actualizar esta visão, agora com a política One belt, One road. É com este renascer das rotas da seda que visa fortalecer o comércio e as suas relações com mais de 60 países, promovendo infra-estruturas, com o beneplácito de Pequim, por via das empresas e de bancos públicos.

Daí que a construção civil, a área das infra-estruturas de transportes (estradas, pontes, caminhos de ferro, portos ou aeroportos), o sector energético e da exploração petrolífera também sejam vitais para a expansão da China, aponta o vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa, Ilídio Serôdio.

Este responsável enfatiza a influência da nação asiática em 40 países africanos. Em troca de recursos naturais para alimentar a sua pujança económica, as grandes construtoras estatais chinesas estão a erguer projectos estruturais de envergadura. Outro dos braços desta estratégia é a criação do Banco Asiático de Investimento em Infra-estruturas.

Por isso, não é de estranhar que na lista das 500 maiores empresas do mundo, recentemente divulgada pela Fortune, 98 sejam chinesas e de Hong Kong. O número só é superado pelas 128 norte-americanas. Em 2000 havia apenas dez chinesas. E 46 em 2010.

Com mais de 40 mil milhões de euros de lucro, o banco chinês e estatal ICBC é, segundo a publicação norte-americana, o mais lucrativo do mundo. Nesse critério, outros três bancos públicos do país surgem no top 10, entre os quais o Bank of China, que já está em Portugal.

A terceira vaga

Hoje, resume Ilídio Serôdio, “vive-se a terceira vaga” da expansão chinesa. A primeira “foi a capacidade de ser a fábrica do mundo, com ordenados baixos e produção em massa”, que gerou grandes reservas de divisas para a China. A segunda foi o “lançamento das empresas estatais de construção e de fornecimento nos mercados mundiais”, com financiamento quase ‘ilimitado’ da China em troca de recursos naturais. “E agora dá-se a aquisição de participações relevantes em empresas e marcas ocidentais”.

Nesta etapa, a China pretende “conhecer por dentro a gestão e tecnologias ocidentais e simultaneamente introduzir nestes sectores alguma da produção industrial e da capacidade financeira e reservas de divisas que tem gerado nas duas fases anteriores”. Se esta estratégia for bem sucedida, o gigante asiático está para ficar.

ana.serafim@sol.pt