Encontramo-lo à hora de almoço. Diz que não vai comer para não ficar amolecido. “Se houver uma guerra e um dos exércitos estiver com fome e o outro não, vence quem tem fome”. É com espírito guerreiro mas com uma mensagem de paz que Dele Sosimi se apresenta em palco. Com ele veio a Afrobeat Orchestra, conjunto com dez elementos, dos quais apenas um, o baterista Kunle Olofinjana, é nigeriano. É que Sosimi, a viver em Londres há 20 anos, incorporou a “multiculturalidade” da capital inglesa no seu trabalho e toca com músicos que transportam notas de outros géneros, do jazz à música latina.
Ao fim de dez anos, Sosimi tem disco novo, You No Fit Touch Am, o primeiro que não é produzido e editado pelo próprio. “Ainda é importante fazer álbuns quando há algo para dizer e em que se acredita”.
Longe vão os tempos em que, criança, ouvia estarrecido o avô a tocar o órgão da igreja. “Entrava e dizia ‘uau!’ E pensava que adorava tocar como ele! Então comecei a aprender por mim próprio. Observava, observava, e tentava repetir o que tinha visto”. Na escola tinha dois pianos à disposição pelo que tocava sempre que podia. “Muito cedo me interessei pela construção da música. Há dois tipos de crianças: aquelas que recebem um brinquedo e tratam-no com cuidado e as outras que o analisam, desmontam e tentam voltar a montá-lo. Eu era este tipo de criança”, explica. Mais tarde, um sobrinho do Fela Kuti, que frequentava o lendário clube do tio, o Shrine, ia para a escola reproduzir o que Fela tocava. Daí a tocar no Shrine foram alguns passos, desde começar a tocar no grupo da escola com o filho do Fela, Femi. E depois juntar-se ao próprio Fela numa jam session.
Ainda menor de idade, em 1979, Dele Sosimi integra o grupo de Fela Kuti. Em 1984, após várias detenções, o músico e activista – cujas letras criticavam abertamente o Governo – foi julgado e condenado a cinco anos de prisão, pelo crime de entrar no país com divisas estrangeiras. Foi então que o filho Femi e Dele assumiram os comandos do grupo, Egypt 80. O mesmo sucedeu dois anos depois, quando Fela foi libertado: os amigos e colegas de escola criaram o grupo Femi Kuti & The Positive Force, até Dele decidir rumar a Londres, em 1995.
A capital britânica é a cidade natal de Dele. Os pais tinham saído de Lagos para estudar e, após a independência da Nigéria, regressaram, “sonhando com um país novo”. Mas depressa o sonho se esfumou, com a corrupção a instalar-se de alto a baixo na sociedade, começando pelos Governos militares. E Dele sentiu na pele a natureza brutal da sociedade e do regime: o pai foi assaltado e assassinado e a Polícia só apareceu no local meia dúzia de horas depois.
Hoje, à corrupção, soma-se o terrorismo do Boko Haram. Ainda assim, Dele Sosimi está esperançado. “Acredito que as coisas vão melhorar. O actual Presidente foi o líder de um Governo militar e, de todos os Governos que perseguiram Fela, este foi o único que conseguiu prendê-lo. Vejo isso como um bom sinal. Isso significa que ninguém lhe escapará. Buhari prometeu acabar com a corrupção e eu acredito que ele é genuíno e patriota”. Não acredita na maldição do petróleo? “Nem em qualquer outra. Acredito na integridade das pessoas, seja qual for o sexo, credo, raça ou religião”.
Hoje, além de tocar duas vezes por mês em Londres num espectáculo intitulado Afrobeat Vibration, e de se envolver com músicos latinos no Afocubaproject, dedica-se ao ensino de afrobeat, uma grande aposta sua. O que é, afinal, esse género musical? Para Sosimi, “não há uma resposta definitiva”. Avança a seguinte: “É hipnótico, rico, completo, matematicamente estruturado, com sentido lógico. E é viciante”.