Maria de Belém e Sampaio da Nóvoa: o princípio do fim de António Costa

1. Escrevemos há dias que o descalabro da liderança de António Costa tem provocado (muitas e graves) feridas no Partido Socialista. Vários militantes socialistas, reputadas e com peso na estrutura, têm dito, em surdina, que António Costa irá ter um resultado muito negativo nas próximas legislativas – e, caso o partido não reaja depressa, os socialistas…

2. Estas vozes que manifestam descrença, discordância e desilusão com o que tem sido a liderança de António Costa são um sinal inequívoco do caos que se vive no Partido Socialista. Hoje, o PS é um partido sem rei, nem roque. O que é pena: a democracia portuguesa precisava de uma oposição forte, credível e com sentido de Estado. E com um projecto político alternativo, independentemente do juízo subjectivo que cada português faça sobre os seus méritos e desméritos. Afinal de contas, é nisto que consiste o pluralismo político – essência da democracia liberal, da sociedade aberta e tolerante. Às vozes que nos expressam a sua desilusão e frustração com a liderança de António Costa em privado, se veio juntar a voz, pública e notória, de Maria de Belém e da maioria dos seguristas. Maria de Belém será candidata à Presidência da República, iniciando uma interessante (e elucidativa) marcação cerrada a António Costa.

3. Senão, vejamos. Aproveitando a sequência trágica para o PS de Costa dos episódios lamentáveis dos cartazes infelizes, um grupo próximo de Maria de Belém deixa passar para os órgãos de comunicação social a sua disponibilidade para avançar e a lista de apoios que já reúne. Lista de apoios que, pese embora não sejam muito representativos nem particularmente entusiasmantes, mostram que Maria de Belém entra melhor nos socialistas do que Sampaio da Nóvoa. De longe! E que entre a esquerda moderada, não comunista e não radical, Maria de Belém goleia Sampaio da Nóvoa. Mesmo o Presidente Jorge Sampaio (defendemos a tradição norte-americana de que os ex-Presidentes devem continuar a ser referenciados como Presidentes) já terá manifestado dúvidas sobre se continuará a apoiar Sampaio da Nóvoa – ou adiará posição definitiva para momento posterior.

4. Importa, pois, perguntar por que surge a candidatura de Maria de Belém. A resposta é clara: surge porque António Costa tem sido um péssimo líder do PS. Porque António Costa em vez de unir o partido – prefere criar uma espécie de “politburo” que tudo decide, o qual só incluiu os seus amigos ou apoiantes indefectíveis e submissos. Porque em vez de dinamizar com ideias e projecto de futuro para Portugal, partilhado por todos os socialistas – António Costa prefere jogar pelo seguro, usando as artimanhas políticas de outros tempos. Costa quer ganhar eleições, não pelo seu mérito, não pelo seu trabalho, mas apenas…porque sim. Isto não é ser líder – quanto muito, é ser líder de facção. Não líder de partido, muito menos, do maior partido da oposição. 

5. O desrespeito pela liderança de António Costa é tão grande que já nem sequer unidade estratégica ou de acção política existe entre os socialistas. Esta semana, o desafio à liderança de António Costa atingiu o cúmulo. Na quinta-feira, António Costa dá uma entrevista à revista “Visão”, mantendo o seu estilo displicente, informal, quase caricatural (por exemplo, a frase que merece a destaque é um eloquente: “o meu objectivo é correr com eles!” – ora, isto é linguagem de alguém que quer ser Primeiro-Ministro de Portugal?), visando acabar com a polémica em torno dos cartazes e com as dúvidas sobre o apoio do PS a Sampaio da Nóvoa. Pela primeira vez, Costa afirmou que o PS tem candidato – e esse chama-se Sampaio da Nóvoa, o qual até já participara em comícios de António José Seguro.

6. Pensava, então, Costa que o assunto das presidenciais ficaria em repouso, adormecido e sem incomodar, até dia 4 de Outubro. Enganou-se redondamente: no dia seguinte, Maria de Belém anuncia, de facto, a sua candidatura, recendo hoje os promotores do seu avanço e fixando o anúncio oficial para dia 5 de Outubro. Ou seja: Maria de Belém montou uma armadilha (e muito inteligentemente) a António Costa – e António Costa caiu que nem um patinho, na entrevista precipitada à Visão. Com este gesto, Maria de Belém ganhou peso político (as notícias da sua candidatura tiveram amplo destaque, enquanto que a entrevista de António Costa passou praticamente despercebida) – e António Costa perdeu força e autoridade política (para além da entrevista ter sido um desastre, ficamos com a ideia de que Costa é a última pessoa a mandar no Partido Socialista). Costa, nem internamente, no próprio Partido Socialista, consegue ter iniciativa política!

7. Em suma: no PS, quem marca a agenda política não é António Costa – são terceiros, são outros militantes. Qualquer militante tem mais peso que Costa –haverá maior desautorização à liderança? Nem nos piores tempos de António José Seguro, tal aconteceu!

8. Desastrosa foi também a reacção de Sampaio da Nóvoa, que veio hoje afirmar que Maria de Belém está a prejudicar o PS por anunciar o seu avanço nesta altura, confundindo presidenciais com legislativas. Esta afirmação é desastrosa. Por duas razões:

i) É uma crítica boomerang, atingindo o próprio Sampaio da Nóvoa. Porquê? Porque Sampaio da Nóvoa já anunciou a sua candidatura há meses! Então, Maria de Belém está a prejudicar o PS porque anunciou a sua candidatura presidencial a menos de dois meses das legislativas – e Sampaio da Nóvoa não prejudicou o PS ao anunciar há meses a sua candidatura? Sampaio da Nóvoa não foi o primeiro a levar à sobreposição das eleições legislativas com as presidenciais? Com que autoridade moral vem agora criticar Maria de Belém?

ii) Sampaio da Nóvoa veio fragilizar, ainda mais, António Costa. No fundo, Sampaio da Nóvoa critica hoje duramente o líder do PS. Porquê? Porque veio revelar a fragilidade de Costa: se Maria de Belém, por anunciar a sua candidatura nesta altura, fragiliza o PS porque é preciso evitar que as legislativas sejam atropeladas pelas presidenciais; então, António Costa fragilizou gravemente o PS quando, na quinta-feira, na entrevita à Visão, veio dizer que o candidato do PS é o próprio Sampaio da Nóvoa! Isto é: Costa veio falar de presidenciais quando deveria falar das legislativas!

9. É impressionante: o PS está caótico! Quem diria que António Costa consegue ser mais desastrado do que António José Seguro? A fragilidade da liderança de Costa é tão, tão grande – que o próprio Sampaio da Nóvoa já sente necessidade de se autonomizar do líder do PS! Palavras para quê?

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