Marcolino Moco: ‘Política activa adiada para melhores tempos, se restar tempo’

A terminar o doutoramento em Portugal, o antigo primeiro-ministro e secretário-geral do MPLA Marcolino Moco adia para «melhores tempos» o regresso à política activa. Atento à actualidade, não vê razões para a detenção dos 15 jovens por tentativa de golpe de Estado.

Os partidos políticos preparam os respectivos congressos e voltam à baila temas como democracia, alternâncias e limitação de mandatos. Quer comentar?

A existência de partidos e o seu carácter democrático dependem da natureza dos regimes políticos em que estão inseridos. No caso de Angola é público e notório que os partidos políticos só são tolerados por uma questão de satisfazer a opinião pública interna e internacional. Especialmente a hipocrisia dos Estados ocidentais, que não estavam preparados para encarar abertamente o que tem sido a transformação de um regime marxista-leninista de partido único, para uma situação de regime pessoal, na figura do Eng. José Eduardo dos Santos. Isto sendo que a principal função do ‘novo regime’ é a acumulação de riqueza à custa dos recursos nacionais (que deve ser acompanhada por uma total desmoralização da sociedade), nas mãos da minoria no poder, o que exige a criação de mecanismos que garantam a permanência indefinida no poder.

Pensa que isso se tem reflectido na acção da oposição?

É natural que isso se reflicta na estrutura e prática de partidos da oposição, que são ‘obrigados’ a seguir-lhe as pegadas. Por outro lado, dentro deste mesmo quadro, o próprio regime, na base do princípio ‘dividir para melhor reinar’, lança ‘desconfianças’, com fundamento ou não, entre grupos que poderiam disputar cordialmente a direcção temporária dos partidos políticos da oposição, sem destruir a sua coesão política.

Quais as grandes ideias para impulsionar o país?

Devolver materialmente a soberania ao povo e democratizar o MPLA, como aconteceu com o PAICV, em Cabo Verde, ou com o MLST, em São Tomé e Príncipe ou, menos acentuadamente, com a FRELIMO em Moçambique. Isso contribuiria para a democratização do Estado angolano e reflectir-se-ia em todas as organizações sociais, entre as quais os partidos políticos da oposição. De resto, a própria doutrina e práxis ocidentais (já que nós, como africanos, não fomos ainda capazes de elaborar a nossa própria doutrina sobre este e outros assuntos – só sabemos imitar, e mal, na maioria das vezes) não prescrevem a alternância da liderança e a limitação de mandatos como uma prática obrigatória dentro dos partidos políticos.

Esta é a ideia de democratização que tem?

É essa a ideia de democratização que tínhamos, alguns de nós, dentro do MPLA a cuja direcção pertenci, até 1998. De lá para cá, sobretudo a partir de 2002, quando se esperava que o processo fosse mais fácil, escolheu-se o caminho mais complicado. Se bem o ouvi, o Eng. José Eduardo dos Santos acaba de anunciar o fim formal da veleidade de alguém poder disputar com ele a direcção dentro do MPLA: «Quem quiser que crie o seu partido lá fora e concorra». Falta acrescentar, entretanto, que só ele é o senhor absoluto das finanças do partido e do Estado, da rádio, da televisão, da compra do silêncio das potências ocidentais que ‘inventaram a democracia’, da temível máquina securitária e do poder judicial.

Como está a analisar a detenção de jovens acusados de tentativa de golpe de Estado e a não permissão de manifestações de protesto?

O sistema acima descrito tende a impedir a participação de todas as faixas populacionais que não sigam a linha escolhida pelos donos do poder. E, para conseguir reproduzir-se no futuro, impede sobretudo os jovens mais esclarecidos de exercerem os respectivos direitos, claramente prescritos na Constituição ‘carapaça’ que funciona ao lado da verdadeira Constituição, a protectora dos seus interesses, como uma minoria no poder. Daí que assistamos a uma repressão que muitos elementos da minha geração não chegaram a conhecer na era colonial, com a forja de tipos de crime absolutamente inexistentes.

Há quem esteja apreensivo com o discurso dos políticos, tendo recentemente a TPA recorrido aos arquivos para lembrar o que o actual presidente do Grupo Parlamentar da UNITA, Raúl Danda, disse em relação a Savimbi quando era dissidente desse partido. Há razões para isso nesta altura, quando estamos em contextos diferentes?

É outra forma de manter o status quo, baralhando sem limites nem vergonha. Infelizmente a opinião pública, impulsionada por alguns opinion makers, classe na qual me incluo, tende a esquecer que não se trata de decisões de jornalistas da TPA, da RNA e de outros órgãos de comunicação social, até privados, que recorrem a esses mecanismos, gravíssimos num país onde se pretende consolidar a reconciliação nacional. Tudo encaixa no regime que temos, do ‘safe-se quem puder e seja o que Deus quiser’. São argumentos de quem não tem argumentos, mandados ser ditos até pelas próprias vítimas do sistema, mesmo quando alguns deles são deputados de uma Assembleia Nacional a que se rouba o direito de legislar sobre certas matérias ou de fiscalizar o Executivo, situação que depois ‘obriga’ os partidos da oposição a irem rebuscar os recuados tempos do comunismo, do 27 de Maio, etc. Os quais também não vêm a propósito, a partir do momento em que aceitamos um ‘regime democrático’ e uma ‘reconciliação nacional’. Faz dó.

Quando pensa em voltar à política activa?

A política activa, dentro ou fora do MPLA, está adiada para melhores tempos, se é que ainda me resta algum tempo para furar tantas muralhas. Advocacia, docência, conferências ‘pacíficas’ e consultoria, sim. São e serão o meu modo de sobrevivência material e de combate cívico-político.

O que pensa das redes sociais, das quais volta e meia faz uso?

As redes sociais, pelo que parece, têm tido um papel tão crucial na mudança das mentalidades em Angola nos últimos tempos, que também começam a incomodar as autoridades, as quais têm o controlo quase absoluto dos meios convencionais de comunicação social, dentro e fora do país. Diz-se (e quando essas coisas começam a vir assim à tona em Angola, não se está muito longe da verdade) que já está em marcha a ‘norte-coreanização’ das redes sociais no país. Penso que vale sempre a pena pedir moderação aos que se acham donos exclusivos e eternos do poder em Angola, e recordar-lhes o verso do poeta: ‘ninguém impedirá a chuva’.

Como vai o seu doutoramento?

O processo de doutoramento, cujo texto se encontra na fase de correcção dos aspectos de forma, foi das experiências mais enriquecedoras, entre tantas que tenho tido a sorte de somar, na vida. Ajudou-me a olhar com muita profundidade para os fenómenos africanos da actualidade. Disse acima que somos muito pobres em elaborar pensamentos que se adequem às nossas complexas realidades, vazio aproveitado pelo oportunismo político. É nessa contribuição que pretendo investir, mesmo sabendo que os resultados nunca são imediatos. Mas hoje sei, mais do que nunca, que é o imediatismo que não faz a África descolar, e já agora, até o próprio Ocidente que, com tantas mudanças na ordem espiritual e material do mundo, não consegue sair do já desadaptado modelo das Luzes, depois da ‘morte’ do marxismo.

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