Missão impossível: respeitar o cessar-fogo no Leste da Ucrânia. As violações aos acordos de Minsk – assinados em Setembro de 2014 e com votos renovados em Fevereiro de 2015 – são diárias, acompanhadas de trocas de acusações entre o Governo de Kiev e os separatistas pró-russos. Tal como a reiterada e desacreditada negação de Moscovo quanto ao envolvimento no conflito. As cenas repetiram-se esta semana, mas o enredo ganhou contornos dramáticos: Rússia e NATO estão a afiar facas para um possível conflito.
O relatório da European Leadership Network (ELN), divulgado na quarta-feira, fez soar os alertas. «A natureza e a escala» dos exercícios militares que têm sido levados a cabo na região indicam que «a Rússia se está a preparar para um conflito com a NATO e que a NATO se está a preparar para um possível confronto com a Rússia». Como pano de fundo, a crise na Ucrânia, acelerada pela anexação da Crimeia em Março de 2014, seguida da proclamação da independência dos pró-russos no Leste (e da guerra que lá se trava desde então).
A organização baseada em Londres, que agrega antigos e emergentes líderes políticos, militares e diplomáticos (não só da União Europeia, mas também da Rússia, Ucrânia, Turquia, entre outros países), foca-se em questões de segurança e analisou duas recentes manobras bélicas. Do lado russo, uma mega-operação em Março de 2015, que envolveu 80 mil militares e se estendeu a toda a Federação. Do lado da Aliança Atlântica, quatro exercícios em Junho juntaram 19 Estados-membros e 15 mil operacionais no flanco leste da NATO.
Defesa ou provocação
A ELN sublinha que as operações militares ocorreram em zonas que ambas as facções consideram mais vulneráveis e expostas a uma eventual agressão – e partilham semelhanças estratégicas, como «a rápida mobilização e reafectação de forças em longas distâncias».
Afirmando que não foi tomada qualquer decisão de avançar para a guerra, o relatório da ELN conclui que «o perfil destes exercícios é um facto e desempenha um papel na manutenção do actual clima de tensões na Europa».
É precisamente no ‘mau ambiente’ político entre NATO e Rússia que a dinâmica destes jogos de guerra pode ter um efeito catalisador negativo: o que um lado considera acção defensiva, o outro interpreta como provocação. A agravar uma situação marcada pela desconfiança, junta-se «uma sensação de imprevisibilidade quando os exercícios não são notificados ou anunciados publicamente de antemão, como parece ser o caso com uma série de exercícios russos».
O documento foi tornado público dois dias depois de o primeiro-ministro ucraniano ter acusado Moscovo de não «demonstrar vontade nem de pôr em prática os acordos de Minsk nem de retirar o seu exército». Arseni Iatseniuk pediu mais pressão internacional – que passa tanto pelas sanções económicas da UE como pelo apoio militar da NATO -, enquanto quantificou os ataques de que, só na segunda-feira, as posições ucranianas foram alvo: 95 bombardeios dos pró-russos, 95 violações do cessar-fogo.
Os russos, em negação sobre qualquer apoio logístico ou humano aos rebeldes de Donetsk e Lugansk, emitiram um comunicado: «Pedimos ao lado ucraniano que mostre moderação e que não viole a instauração dos acordos de Minsk com acções irresponsáveis».
Comunicação, entendimento e moderação, que fazem parte das recomendações do relatório da ELN, continuam afastados das mesas de negociações. O abismo entre a Rússia e o Ocidente cavou-se um pouco mais com as revelações desta semana sobre o voo MH17.
Na Ucrânia, peritos holandeses encontraram fragmentos de um míssil anti-aéreo Buk na zona em que o avião da Malaysia Airlines foi abatido em Julho do ano passado, com 298 pessoas a bordo. O sistema de defesa de fabrico russo aponta culpas aos rebeldes pró-russos – e ao fornecimento bélico de Moscovo.
Os dados da equipa de investigação liderada por holandeses (nacionalidade com mais vítimas a bordo) são preliminares: não responsabilizam os russos. Estes, noutra posição de força, vetaram há duas semanas no Conselho de Segurança a proposta da Malásia para se criar um tribunal internacional especificamente para o caso do MH17.