O hotel estava cheio e os funcionários responsáveis pelas encomendas de alimentos ficaram em pânico: as manteigas de reserva nas arcas congeladoras estavam a terminar. E se lá em casa pode faltar manteiga no frigorífico por um dia, ou até por uma semana, num resort de cinco estrelas nada pode faltar nem por um minuto só. Como as encomendas demorariam uns dias a chegar, era preciso improvisar: os próprios directores do resort foram para a rua à caça de manteigas. A tarefa, num pedaço de terra rodeado de água por todos os lados, num pedaço de terra que quase nada produz, e onde não havia ainda nenhum outro hotel daquela dimensão, não era fácil. Mas as manteigas acabaram por não faltar nas mesas. E os clientes nem sonharam que enquanto desfrutavam das suas férias o stress se tinha instalado nos bastidores.
Se já esteve num resort de cinco estrelas sabe o que se passava nas suas costas enquanto dormia ou apanhava sol? A Tabu visitou os bastidores do RIU Funaná e do RIU Garoupa, na Ilha do Sal – o primeiro resort de luxo de uma das ilhas mais turísticas do arquipélago de Cabo Verde. E descobriu que um espaço com capacidade para acolher mais de dois mil clientes, numa ilha árida, não é apenas um hotel. Mas uma cidade, montada sobre palmeiras e águas transparentes, onde há sempre alguém, durante 24 horas, a trabalhar para si.
«Há uma coisa em que não podemos falhar. Se prometemos ser um resort com tudo incluído, temos de o cumprir. Aqui o princípio é esse: cumprimos o que prometemos», conta Juan Fernandez, o director que veio das Canárias para gerir o primeiro hotel de cinco estrelas na Ilha do Sal.
As piscinas – para que sejam tão perfeitas como nas imagens dos cartazes das agências de viagens – são limpas várias vezes ao dia. A primeira limpeza é feita normalmente por volta das 6 horas: se dorme até mais tarde, certamente nunca deu por isso. Além da limpeza, é preciso garantir, pelo menos três vezes ao dia, que os níveis de químicos colocados na água cumprem os requisitos.
Água é coisa que não falta num resort desta natureza: água das piscinas, água para regar os jardins, água dos chuveiros junto à praia e, claro, água que nunca pode faltar nos quartos dos hóspedes. Talvez com este número fique mais próximo do conceito de hotel-cidade: em média, no RIU da Ilha do Sal, são consumidos 27 mil metros cúbicos de água por mês. E parte dela até é reutilizada: aquela que serve os quartos e as casas-de-banho espalhadas pelo complexo, por exemplo, é enviada para a central e depois reutilizada na rega dos espaços verdes.
A luz também é fornecida por uma central. Se falhar, nem dará tempo para ter medo do escuro. Bastarão 20 segundos para que os geradores entrem em acção.
Comida a toda a hora
A logística não é menos complexa no que diz respeito à comida. Os pequenos-almoços começam a ser servidos às 7 horas, mas sabe há quantas horas começaram a ser preparados? A resposta é esta: há pelo menos três funcionários acordados toda a noite a confeccionar o pão, os croissants e os bolos que irão parar à sua mesa. Às 6h30 chegam outros para começarem a preparar o buffet de frios. E há até alimentos que ficam prontos de véspera, mal o restaurante principal do resort pára de servir jantares.
Comida e bebida, eis dois elementos que nunca podem faltar num hotel all-inclusive: no RIU, mesmo durante a madrugada, há um restaurante sempre aberto.
E de onde chega a comida, numa ilha pouco fértil? Quase tudo vem de avião. «Por muito que quiséssemos, não há quantidade suficiente para comprar laranjas, maçãs e tomates em Santa Maria. E os cabo-verdianos, o que comeriam?», explica o director do hotel. Há uns anos, quando o turismo na ilha ainda não era o que é hoje, e as infra-estruturas também não, uma empresa de distribuição mudou-se para o arquipélago ao mesmo tempo que os RIU.
Os clientes não vêem mas de segunda a sexta chegam ao recinto camiões com uma cinta de segurança: para manter a qualidade e a higiene dos produtos, os camiões só podem ser abertos dentro do hotel. As frutas dão entrada às segundas, quartas e sextas. O peixe chega às segundas e no dia em que chega o peixe nunca pode chegar a carne. Peixes e mariscos vêm congelados, de outras partes do mundo: por melhor que seja o sabor do peixe pescado no mar de Santa Maria, um hotel com a responsabilidade de servir dois mil clientes não se pode arriscar a comprar peixe que é cortado e arranjado num pontão ao ar livre, à frente dos turistas. «O mais importante é cumprir os standards de limpeza e higiene», frisa o director.
Silvério, que vive em Espargos, capital da ilha, acorda todos os dias às 6 horas. Todas as segundas, quartas e sextas tem como missão receber e guardar as frutas. «Isto, sabe o que são?», pergunta Silvério a agarrar com as duas mãos uma fruta que julga ser mais rara. «São melancias!».
À semelhança de todos os empregados, Silvério tem transporte gratuito para o hotel: são feitas 17 viagens por dia para levar e trazer pessoal. Muitos vêm de outras ilhas. É o caso de Carolina, que faz limpezas gerais no hotel, e veio de Santo Antão por lá não ter onde trabalhar.
A par disto, nada pode falhar na limpeza. Se uma empregada limpa normalmente 15 quartos, com o hotel cheio são precisas 112 mulheres, além das cerca de duas centenas que tratam das limpezas dos restaurantes, bares e zonas de circulação. Mesmo durante a noite, há quatro funcionárias disponíveis para tratar da limpeza. Se um cliente reparar que lhe falta um copo ou uma toalha, ou quiser a cama feita de lavado, durante 24 horas haverá sempre alguém disponível. Às funcionárias da limpeza juntam-se 107 cozinheiros, 27 técnicos de manutenção, 42 funcionários de recepção, seis seguranças e 26 animadores (que começam a trabalhar horas antes dos espectáculos). Soma após soma, em época alta sabe quantos trabalhadores são precisos? Mais de 600. Tudo em nome da boa vida de turista de resort. Destes 600, dez são estrangeiros: uma, a Alexandra, é portuguesa.
E se é provável que nunca se tenha apercebido que há andaimes a circularem de um lado para o outro, e pinturas e pequenas obras a serem feitas à luz do dia – porque a essas horas turista que é turista está a aproveitar o melhor de Cabo Verde -, mais improvável ainda é ter descoberto que enquanto aproveita a praia ou as águas quentes de Santa Maria, há funcionários a ter aulas de línguas, cursos de habilidades directivas, de primeiros socorros ou de segurança alimentar.
O RIU Funaná/Garoupa
Passar férias num resort é mau. Estes hotéis são impessoais e a animação é uma tortura. Se está dentro do leque de leitores que pensa assim, fica o conselho: experimente. E verá que não lhe faltará nada para ter as férias sossegadas que procurava. Em Cabo Verde não terá os luxos do Dubai, é certo, mas de quanto luxo precisa para umas férias de sonho? No RIU Funaná, ou no Garoupa, que fica mesmo ao lado, os quartos são limpos, grandes e a poucos passos da melhor praia da ilha. Um passeio pelo areal e chegará ao centro de Santa Maria. Quando o vento começa a ser mais irritante – normalmente da parte da tarde – fica o truque para contorná-lo: saia da praia e aproveite as duas enormes piscinas do hotel. A uma certa hora a equipa de animação vai convidá-lo para jogos ou para uma sessão de hidroginástica mas, respire fundo: os animadores não são intrusivos e terá muitas horas para descansar sem música.
Terá ainda um ginásio, um spa para relaxar e comida com fartura: além dos restaurantes com buffet internacional, não deixe de experimentar os temáticos para sentir que está mesmo em África. O africano e o cabo-verdiano são de comer e chorar por mais e ainda terá o prazer de ouvir música ao vivo – sabores e sons de África num espaço só. Mas o melhor, o melhor mesmo que vai encontrar no RIU da Ilha do Sal, é aquela sensação que terá na partida: a de que será difícil encontrar tão boa gente, e tão genuína, noutro lado qualquer. Nessa hora vai perceber que viveu enganado muitos anos. E que até num resort gigantesco se pode encontrar o melhor de Cabo Verde.
silvia.caneco@sol.pt