A diferença de resultados entre homens e mulheres é tal que as candidatas já afastadas do concurso têm-se questionado sobre um hipotético enviesamento dos resultados. Candidatas contactadas pelo SOL queixam-se de não terem tido acesso aos testes no final da prova, nem tampouco ao número de perguntas certas e erradas. Souberam apenas se tinham sido aprovadas ou excluídas.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), responsável pelo concurso, esclarece que a correcção da prova ‘americana’ é que dita o desfecho. “Razões de foro psicológico, emocional, etc., que possam eventualmente justificar as diferenças nos resultados, não dizem respeito ao MNE”, responde o ministério.
E esta nem é a primeira vez que há uma discrepância de resultados entre sexos. Já tinha acontecido em 2013, o primeiro ano em que foi introduzida uma prova de cultura geral para controlar o ingresso na carreira diplomática. Nesse ano, entre os 20 candidatos aprovados no final das provas apenas um era do sexo feminino.
No concurso lançado este ano, ainda só são conhecidos os resultados da prova de cultura geral e das provas de língua portuguesa e língua inglesa. Logo na primeira – que perguntava quem era António Lisboa, o ‘Aleijadinho’, ou onde ficam as Comores – 93,8% das mulheres ficaram pelo caminho. E das 24 que se apresentaram às provas de Português e Inglês já só 14 continuam em provas.
Só que neste segundo teste não há grande discrepância nos resultados de homens e mulheres. Quer num, quer noutro universo, foram aprovados cerca de metade dos candidatos: 14 das 24 mulheres a concurso passaram no teste; e 81 dos 164 homens candidatos também tiveram nota suficiente para passar à prova seguinte.
Resultados surpreendem
Serão as mulheres menos aptas a dominar várias áreas de conhecimento? Bloquearão mais perante perguntas de escolha múltipla?
A verdade é que os resultados surpreendem até os diplomatas. A eurodeputada socialista Ana Gomes considera os resultados “estranhos”: “Não estão em consonância com o que é a prestação das mulheres na vida académica e com as suas qualidades na diplomacia”. Ana Gomes, que foi uma das primeiras mulheres no país a entrarem na carreira diplomática, sugere que se averiguem as razões do enviesamento. “Se há essa distorção que afasta logo à partida um grande número de mulheres, seria bom que se apurasse o porquê”.
O antigo diplomata Francisco Seixas da Costa também não tem explicações para a discrepância de resultados. Até por ter memória das boas prestações das mulheres: “No concurso de acesso à carreira, de cujo júri fiz parte, em 1995, foram aprovadas mais mulheres do que homens. No curso preparatório para acesso à carreira diplomática que dirijo na Universidade Autónoma, de entre os alunos que ainda estão em prova há apenas um homem, todos os restantes são mulheres”.
O concurso de 1995 ainda não incluía a prova de cultura geral. Antes de 2013, havia apenas uma prova de conhecimentos, que ainda hoje se mantém. “À partida, o esquema de ‘teste americano’ não me parece que seja muito benéfico para avaliação de conhecimentos, mas não sou perita”, diz Ana Gomes.
O presidente da Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses (ASDP), Marcelo Curto, adianta que o resultado do concurso de 2013 – em que apenas foi aprovada uma mulher – “não passou despercebido dentro do Ministério” e que o desequilíbrio entre o número de mulheres e homens aprovados nas duas primeiras etapas do actual concurso “também foi uma surpresa”: “Em primeiro lugar, porque inverteu uma tendência que parecia ter-se afirmado de haver gradualmente uma maior presença de mulheres na carreira. Em segundo lugar, porque um desequilíbrio de género tão acentuado não é obviamente despiciendo”.
O embaixador sugere que há agora “boas razões e oportunidade para, ponderando o sucedido, reflectir sobre o assunto”.
Embaixadores: 58 homens e sete mulheres
Ainda é a diplomacia um mundo dominado pelos homens? No topo da carreira, com o cargo de embaixadores, há 58 homens contra apenas sete mulheres. Os números não podem ser dissociados de razões históricas, já que até ao 25 de Abril a carreira diplomática estava vedada às mulheres. Mas até este cenário parecia estar em mudança. Uma tese de mestrado no ISCTE, que avaliava o percurso das mulheres na carreira entre 1974 e 2004, sugeria que a presença delas em cargos diplomáticos aumentou, e que o número de candidatas e admitidas nos concursos de acesso também.