Luís Veiga: ‘Mais de metade da hotelaria tem prejuízos’

Resultados dos hotéis deverão ultrapassar os de 2007, o melhor ano de sempre. Empresas ainda estão frágeis financeiramente, mas têm recuperado. Turismo em Lisboa não é excessivo: “Também há filas para os monumentos em Paris”, diz Luís Veiga, Presidente da Associação da Hotelaria de Portugal.

O turismo tem crescido, mas quase metade dos quartos de hotel em Portugal não são ocupados. Como está a correr este ano?

No ano passado, 43% do alojamento ficaram por vender. Mas estamos a voltar aos resultados do período pré-crise. Face aos dados que temos deste ano é natural que ultrapassemos ligeiramente os números de 2007. A recuperação começou em 2012 e 2013. Lisboa e Porto são o grande motor, o que  tem a ver com o turismo urbano.

Este será o melhor ano de sempre?

Sim. Os dois aspectos em que ainda havia algum défice eram a taxa de ocupação e o REVPAR [receita por quarto disponível], que avalia a rentabilidade de um hotel. Pensamos que vão ser ultrapassados face a 2007.

A melhoria já se reflecte nas empresas hoteleiras, que estavam financeiramente frágeis?

Estas crises levam a que os mais fracos sucumbam. É o caso de muitos hotéis que entraram para os fundos. E foram muitos, quase 10% do nosso parque hoteleiro. É óbvio que a autonomia financeira de muitos hotéis é fraca. Há muitos capitais próprios insuficientes e os resultados líquidos, em mais de metade da hotelaria, são negativos. Foram negativos ao longo deste período. Mas esta situação também tornou as empresas mais ágeis e dinâmicas. Este ano, algumas que estariam abaixo da linha de água vão conseguir sobreviver. A expectativa da banca com o turismo está num bom momento e a ideia é que será mais fácil reestruturar passivo do que há três ou quatro anos.

Como reage às queixas relativas ao excesso de turismo em Lisboa?

Não há excesso. As filas que encontramos para a Torre de Belém ou para os Jerónimos também existem nos monumentos de Paris. A receita dos museus subiu 60%. Mas ninguém falou sobre a pressão dos museus. Em Lisboa, cerca de 45 mil habitantes saem todos os dias para trabalhar nos arredores. E o número de turistas que podem dormir na cidade é muito semelhante. Há equilíbrio. O turismo a mais tem estado associado às notícias sobre o desenvolvimento alucinante do alojamento local em Lisboa, sobretudo nos bairros históricos. Nessas zonas, ter um hostel em edifícios de propriedade horizontal tornou-se realidade e há uma alteração de uso que na nossa opinião foi mal legalizado. Há utilização comercial e abusiva de uma fracção que só podia ter uso habitacional.

Discordam de aspectos da nova lei.

A nova lei do alojamento local coloca os condóminos desses prédios numa situação muito complicada. Queríamos que houvesse uma licença para o alojamento local em que o condomínio também decidisse se podia ser atribuída ou não. Além disso, Lisboa deve ter alternativas além das quatro zonas mais procuradas, para distribuir os turistas. É isso que Barcelona tem feito. Mas por ter acumulado tanto alojamento na zona histórica, acabou por já fazê-lo tarde. Em Lisboa, pode-se antecipar esses problemas.

Faria sentido em Lisboa e Porto balizar a oferta que surja, privilegiar ou impedir algum tipo de hotelaria?

Por enquanto não, mas não quer dizer que no futuro não se possa fazer. A Câmara Municipal de Lisboa está a avaliar o impacto do crescimento do alojamento na cidade. Estamos expectantes quanto ao resultado dessa análise, de onde, se calhar, sairão medidas.

Existe um novo plano para o turismo até 2020, que vai substituir o plano estratégico nacional, cuja vigência termina este ano. Como o analisam?

Tem duas metas: alcançar 50 milhões de dormidas antes de 2020 e os 13,4 mil milhões de receitas internacionais. São pouco optimistas e conservadoras. Não vemos este documento como uma estratégia e isso é preocupante, porque Portugal precisa de uma estratégia com metas e responsabilidades bem definidas. Diz-se onde se quer chegar, mas não se diz como chegar. Ao ser comedido nas metas, só pode indiciar que os pontos fracos identificados no documento não vão ser ultrapassados.

Mas já lhe chamou Bíblia. É ironia?

Sim. O documento é um testemunho de um liberal que passou pela Secretaria de Estado do Turismo e que gostava que o Estado tivesse um peso mínimo, mas em Portugal não é assim. Não vai ser um guião para o próximo Governo.

O documento frisa muito a liberdade dos empresários. E o secretário de Estado do Turismo, Adolfo Mesquita Nunes, tem dito que o objetivo é que sejam os privados a definir o seu próprio caminho.

Aponta a ambição de chegarmos ao top 10 da competitividade em viagens e turismo, o que é muito difícil, senão impossível, de fazer.

Porquê?

Porque todos os requisitos em que temos de melhorar têm a ver com o Estado, com a política. O diagnóstico das fraquezas aponta a elevada capacidade instalada na hotelaria, alta sazonalidade, desarticulação entre cidades e regiões, proliferação de marcas e produtos turísticos, elevado peso de custos com energia. Quem resolve estas questões? São os privados? Têm de ser resolvidas pelos poderes públicos.

ana.serafim@sol.pt