Bairros de pólvora

Emboscadas, agressões e apedrejamentos constantes. Incidentes deste tipo fazem parte da rotina da PSP em vários bairros sociais da Grande Lisboa, alguns de génese ilegal. Actualmente, apurou o SOL, são cerca de 25 as chamadas zonas urbanas sensíveis identificadas na capital – por outras palavras, territórios dominados por fenómenos como o tráfico de droga, com…

Nunca circular a pé ou com menos de um carro-patrulha à noite ou avisar a central rádio, aguardando uma autorização superior antes de entrar, são exemplos de protocolos a seguir à risca quando se trata de bairros como a Cova da Moura, no concelho da Amadora – onde quarta-feira a Polícia fez mais uma operação de combate ao tráfico, por venda directa de heroína e cocaína ao consumidor, que levou à detenção de 10 moradores.

No início deste ano, o bairro já tinha sido notícia devido a confrontos violentos entre polícias e um grupo de moradores que envolveram tiros de shotgun.

Cova da Moura: O maior pólo de tráfico da Grande Lisboa

Com cerca de 18 hectares e mais de quatro mil moradores, a maioria de origem africana, este bairro ilegal com vista para o IC19 continua a ser um problema para a Polícia. Considerado actualmente o maior pólo de tráfico de droga da Grande Lisboa, aqui acorrem pessoas de todo o país, incluindo de classe média-alta e famosos, para se abastecerem.

“Há líderes informais que controlam o negócio e obrigam os moradores a colaborar, guardando droga ou armas em casa, ou silenciando o que vêem”, explica fonte policial, sublinhando que há quem alugue parcelas da casa a traficantes por mil euros por dia.

É com frequência que a Polícia detecta carros roubados estacionados no interior ou nas imediações do bairro. E também jovens delinquentes que praticamente todos os dias fazem roubos por esticão ali à volta. Depois, como pano de fundo, há os desacatos sistemáticos entre moradores – festas com gente e álcool a mais, que acabam em desentendimentos – e acertos de contas com gente de fora do bairro.

É neste cenário que a Polícia é muitas vezes chamada a intervir. Nessa altura torna-se o alvo, sendo hostilizada por quem não deseja a sua presença. Praticamente todas as semanas há carros-patrulha apedrejados e registos de agentes agredidos em média todos os meses. As emboscadas também já se tornaram um clássico num bairro vigiado por ‘sentinelas’ colocados em locais estratégicos: na sequência de chamadas falsas, os agentes entram no bairro e vêem-se de repente encurralados e atacados com pedras, garrafas e por vezes tiros, como já aconteceu, projectados muitas vezes por moradores posicionados nos telhados.

Uma das últimas cenas aconteceu certa noite no final do ano passado. A Polícia foi então chamada por causa de um caixote do lixo que estaria a arder no bairro, mas quando chegou desfez-se o equívoco: os dois carros foram logo apedrejados e os agentes tiveram de recuar e pedir reforços.

É por estas razões que não há actualmente patrulhamento apeado nas ruas do bairro – ao contrário do que acontecia há uns anos – e mesmo circular com um só carro é arriscado: no mínimo, vão dois, apoiados sempre que possível por uma equipa de intervenção rápida. À noite, só vão – nunca menos de três viaturas – se houver ocorrências que o justifiquem e, dependendo da gravidade, a intervenção pode ser bem mais musculada, incluindo com blindados.

“Tenho medo, porque nunca sei como nem se vou sair”, confessa ao SOL um agente que trabalha na divisão da Amadora, onde reina actualmente um clima de desânimo e indignação por causa de uma recente decisão da tutela de punir disciplinarmente nove polícias, três dos quais já suspensos, por uso excessivo da força durante confrontos ocorridos em Fevereiro deste ano que causaram ferimentos graves em pelo menos seis moradores do bairro. Após estes incidentes, foi dada uma ordem clara: não entrar sem autorização superior.

6 de Maio: o bairro onde não entram carros-patrulha

A cerca de dois quilómetros da Cova da Moura, o bairro 6 de Maio, também de génese ilegal, começou a ser demolido há cerca de um ano e meio mas a Polícia ainda enfrenta vários problemas que marcaram uma relação desde sempre conflituosa com a população.

Num labirinto de becos e ruas de tal modo estreitas que não permitem a circulação de carros – em algumas só se consegue andar de lado -, a Polícia não arrisca incursões à noite a menos que seja chamada e, nesse caso, vai prevenida, com nunca menos de dois carros-patrulha apoiados por uma carrinha. E, mesmo assim, “há colegas que têm de ficar sempre à entrada, a proteger os carros, enquanto os outros entram”, conta um agente que costuma patrulhar o bairro, admitindo que os apedrejamentos repetem-se em média a cada duas semanas.

A Polícia tem feito um esforço de aproximação – recentemente houve até um jogo amigável entre agentes e jovens deste e de outros bairros do concelho – e durante o dia, sobretudo de manhã, há até equipas que circulam a pé, mas os problemas de fundo mantêm-se.

À semelhança da vizinha Cova da Moura, o tráfico de droga, com venda directa ao público durante toda a noite, é o principal flagelo deste bairro. Ciente disso, a Polícia faz com alguma regularidade operações e rusgas. Ainda em Novembro passado, o bairro foi cercado por mais de 200 polícias numa mega-operação de combate ao tráfico de droga que levou à detenção de cinco pessoas.

Isto pode explicar em grande medida tanta hostilidade. “A nossa presença prejudica o negócio”, explica fonte policial. Muitas retaliações acontecem quando alguns moradores, vistos a traficar, são abordados e levados para a esquadra, reagindo com violência, tal como alguns vizinhos, que, como forma de protesto, desatam a apedrejar carros policiais e civis que passam nas imediações do bairro – como sucedeu há cerca de dois meses, após uma peração de rotina. Roubos por esticão, carjacking e assaltos a taxistas são, de resto, comuns nas imediações deste bairro onde vivem cerca de 2.500 moradores (a maioria de ascendência africana).

Quinta do Mocho: 2ª geração perdida para o crime

Durante anos o autocarro da Rodoviária deixou de passar nas ruas da Quinta do Mocho – os assaltos a passageiros e a motoristas eram frequentes – e só este ano retomou o percurso no interior deste bairro de Sacavém (Loures), com cerca de 2.800 moradores, a maioria de origem africana.

Embora mais apaziguado desde o último ano, este bairro tem ainda problemas latentes devido sobretudo a uma segunda geração que cedo se perdeu para o mundo do crime, seguindo muitas vezes o exemplo dos mais velhos. Recorde-se que o pai do jogador do Sporting Carlos Mané, nascido no bairro, foi acusado de comandar uma rede de tráfico internacional ali sediada e está em fuga à Justiça há mais de um ano.

“É uma zona de muita ‘exportação’ de criminalidade, com jovens envolvidos em assaltos por todo o país”, explica fonte policial. Sintoma disso são os carros roubados que a Polícia identifica com frequência por ali. E depois há, noutra dimensão, o tráfico de droga: pessoas que abastecem a venda directa, estando identificadas várias ‘casas de recuo’ (depósitos de droga).

Com festas que redundam muitas vezes em desacatos e esfaqueamentos, as aparições da Polícia no bairro costumam acender os ânimos e muitos agentes acabam feridos no meio da confusão. Os apedrejamentos também são uma realidade e acontecem geralmente quando há intervenções mais musculadas.

No ano passado, um episódio voltou a manchar a fama de um bairro que é actualmente a maior galeria de arte urbana da Europa, com cerca de três dezenas de murais gigantes pintados nos prédios: dois jovens foram baleados por um carro em andamento, um dos quais morreu. Na mesma altura, um polícia em serviço remunerado num estabelecimento comercial próximo do bairro por milímetros não foi atingido por um tiro disparado de dentro do bairro na sua direcção.

Blindados cercam bairros

Foram comprados há cinco anos, por altura da Cimeira da NATO que se realizou em Lisboa, e desde então têm sido usados com alguma frequência em bairros dos concelhos da Amadora e também de Loures (Quinta da Fonte). Nunca, é certo, debaixo de fogo, mas sim em operações e rusgas mais complexas. “Funciona essencialmente como meio de prevenção, caso seja necessário recuar e avançar em caso de disparos. E também é uma demonstração de força”, explicou ao SOL fonte policial.

Só este ano, os veículos – que custaram mais de um milhão de euros, negócio que causou muita polémica na altura – já foram mobilizados duas vezes, para uma operação na Cova da Moura e outra no 6 de Maio. Há, no entanto, quem critique o facto de nunca terem saído de Lisboa, ao contrário da pretensão inicial de deslocar um para o Porto: até hoje, os blindados só estiveram na Invicta para cerimónias, treinos e demonstrações oficiais.

sonia.graca@sol.pt