Acrescenta que o facto de alguns dos homens que matam as ex-mulheres se suicidarem provaria esse amor: “amor doentio, mórbido, patológico – mas amor”.
Não duvido de que esses homicidas e até as suas vítimas tenham, em muitos casos, a convicção de agirem como apaixonados; conheço mulheres que suportaram anos de violência conjugal na ilusão de que era o fogo da paixão o que atiçava o cônjuge – e que um dia, menos toldado pelas suas próprias labaredas, ele veria as chamas do amor dela e se transfiguraria.
Tanto incêndio! Milhões de crianças crescem em cenários de horror criados por esta funesta idealização do amor. Já a história recente do homem que antes de ter estrangulado a ex-mulher pretendia ficar com metade da indemnização que ela recebera por lhe ter sido cortada uma perna por erro médico dificilmente pode ser considerada passional. Dava um filme, como bem lembra José António Saraiva – mas o filme seria sobre a ganância, a megalomania e o desespero que ela gera. E sobre a falta de amor-próprio.
A persistência da ideia do amor enquanto posse do outro ou abdicação de si (dois lados da mesma moeda feita de uma liga de frustrações) parece-me ser a principal causa das tragédias sentimentais.
Creio que José António Saraiva concordará comigo neste ponto. Ninguém pode amar outra pessoa (mulher ou marido, filho, pai, mãe ou amigo) se não se amar a si mesmo. Não diria, como Molière, que o amor-próprio é a única verdadeira forma de amor – mas digo que só desse amor nasce a possibilidade de qualquer outro.
Se eu me julgar indigna de ser amada, como poderei acreditar no amor de alguém? A percentagem de jovens que aceita maus-tratos físicos por parte dos namorados como prova de ciúme e atestado de amor é preocupante – e significa que o conceito de amor como domínio sobre o outro continua a prolongar-se, geração atrás de geração. A associação literária entre amor e sofrimento tem sido pelo menos tão nociva para a Humanidade como o buraco do ozono.
António Alçada Baptista repetia que estamos ainda na pré-história do Amor; partilho esta visão que traz uma aragem de optimismo sobre a natureza humana e as suas capacidades de auto-superação.
A escola do amor é a do respeito por nós próprios e pelos outros. Estas coisas deviam ser transmitidas desde a primeira infância: são mais importantes do que o Português e a Matemática.
A educação devia começar pelo incentivo à realização pessoal: quem não consegue ter um projecto de vida seu não tem nada para partilhar.
Mas aparentemente, ao modelo de educação para a entrega (à Pátria ou ao lar) sucedeu-se o modelo de educação para o egoísmo da competição. Ambos os modelos partem, contudo, de uma falha fundamental: a alegria da construção do eu.
Ontem como hoje, as escolas desprezam a educação para o amor, que começa pela alegria e pela atenção aos sonhos de cada criança, e despejam no mundo seres carentes, aflitos, sem voz própria. Vítimas ou carrascos, consoante as curvas da vida. Incapazes não só de amar como de reconhecer o brilho radioso do amor.