O Serviço Nacional de Saúde (SNS) dá prioridade aos casos em que existe uma doença – oncológica ou não -, tanto para homens como mulheres. No ano passado, segundo dados do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) avançados ao SOL, um total de 71 mulheres e 504 homens recorreram a centros reprodutivos para utilizar as várias técnicas de procriação medicamente assistida que envolvem a criopreservação. Dessas 71 mulheres, porém, 14 não tinham nenhum problema de saúde e recorreram à criopreservação apenas para poderem ser mães mais tarde. Nestes casos foram utilizados centros privados.
Os dados podem não reflectir a dimensão real dos pacientes que recorreram aos 28 centros do país, uma vez que a lei ainda não define qual a entidade que deve fazer este registo, explicou ao SOL fonte do Conselho Nacional.
Cautela nas expectativas
Os especialistas aconselham cautela na forma como se encaram estas técnicas. “Pode ficar a ideia errada de que estas técnicas garantem a fertilidade futura, o que não é de todo verdade”, explica Carlos Calhaz Jorge, responsável pelo Centro de Medicina da Reprodução do Hospital de Santa Maria, em Lisboa. “Há aquela perspectiva hollywoodesca de que agora já se pode ser mãe, pela primeira vez, muito depois dos 40”, avisa o médico. E isso não corresponde à verdade. “A tecnologia tem as suas zonas cinzentas e estamos a falar de áreas muito novas. Ainda não se chegou ao futuro, portanto, estamos a falar de preservação de um potencial reprodutivo”, explica o ginecologista, alertando para o facto de esta tecnologia ter apenas quatro a cinco anos em todo o mundo.
Técnica é ‘uma arma, mas não de poder absoluto’
Por seu lado, Alberto Barros, responsável do Centro de Genética da Reprodução Alberto Barros, alerta: “Nos casos em que as mulheres recorrem aos centros de PMA preocupadas com a sua fertilidade futura, é necessário que estejam esclarecidas de que, só porque têm 25 ovócitos (o nome dados aos óvulos antes de amadurecer, quando ainda estão nos ovários) congelados, não significa que vão conseguir ter filhos aos 45 anos”. “O ‘social freezing’ é uma arma, mas não é uma arma de poder absoluto”, explica o geneticista. Até porque o processo, que passa por uma estimulação ovárica, varia bastante de mulher para mulher e é bastante mais difícil para o sexo feminino do que para o sexo masculino: “Enquanto um homem consegue preservar milhões de espermatozóides com uma estimulação, uma mulher consegue apenas 12, 14, 20, depende muito do caso. E não se sabe como estes vão reagir ao processo de descongelação no futuro”.
Joana, de 29 anos, está esperançada. Conseguiu preservar 13 ovócitos em Abril, na Maternidade Alfredo da Costa (MAC). Entre Março, quando ligou para o Centro Reprodutivo da maternidade para saber como poderia iniciar o tratamento de criopreservação, e o momento em que a equipa concluiu o processo, passaram apenas três semanas.
A opção começara a ‘pairar’ na sua cabeça meses antes, quando encontrou um vídeo no Facebook sobre a importância de preservar o potencial reprodutivo em mulheres com doenças oncológicas. Decidiu prevenir-se.
Apesar de os seus ovários funcionarem perfeitamente, Joana nasceu sem útero e com obstrução vaginal. “O processo (de estimulação ovárica e de avaliação da qualidade dos ovócitos) correu lindamente”, conta ao SOL. “Eles foram extremamente sensíveis à minha situação”. O tratamento foi ‘facilitado’ pelo facto de Joana ter uma doença – e entrará nas estatísticas do CNPMA deste ano.
Estão a nascer mais bebés
A lei não impede ninguém de recorrer ao SNS para conseguir preservar a fertilidade futura por motivos económicos, sociais ou culturais, mas os centros públicos priorizam os utentes com algum tipo de patologia.
Nas clínicas privadas, também não se vendem ilusões: “O acto médico não é um produto”, salienta o geneticista Alberto Barros. E há que ter cuidado com a ideia “americana de que tudo é possível”. Aliás, “no sector privado, tem de haver ainda mais responsabilidade em esclarecer os pacientes”, considera.
Teresa Almeida Santos, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução, comenta que “hoje em dia os casais estão mais informados e acreditam que as técnicas de PMA serão as soluções para todos os problemas”. Mas avisa: “Estas técnicas estão muito dependentes da idade da mulher e não permitem ultrapassar o inexorável declínio da fertilidade feminina associado à idade” – que declina em média em 50% a partir dos 35 anos.
Em 2015, e pela primeira vez nos últimos cinco anos, a curva demográfica virou: até ao final de Julho, nasceram mais 1.500 bebés do que nos primeiros sete meses do ano passado (47.886 crianças, contra 46.386 em 2014). Ao Diário de Notícias, Maria Filomena Mendes, da Sociedade Portuguesa de Demografia, apontou uma possibilidade: “Houve um grande adiamento do primeiro e do segundo filho. O que pode estar a acontecer é que os que adiaram chegaram à idade em que, se querem ter um filho, é agora ou nunca”. Outro factor, “que não aparece ainda nas estatísticas”, poderá ser a antecipação da maternidade por mulheres entre os 25 e os 30.