1. Isto porquê? Porque como nós escrevemos aqui no SOL há uns meses, a investigação cometera aqui um erro que lhe iria custar caro: foi o terem proposto a alteração da medida de coacção de prisão preventiva para a obrigação de permanência na habitação com pulseira electrónica. Nesta ocasião, José Sócrates, como animal político que é, percebeu que tinha o pretexto perfeito para se vitimizar e virar o jogo a seu favor e contra o sistema de Justiça: recusou a pulseira electrónica e a medida de coacção foi mantida. Por que razão foi um erro da investigação?
3. Porque, a partir do momento em que se propõe uma medida de coacção menos gravosa do que aquela que vigorava, a investigação agora, aquando da revisão dos pressupostos de aplicação da medida de coacção, manter a mais gravosa: teria forçosamente de aplicar a menos gravosa. Isto sob pena de ilegalidade – e inconstitucionalidade – da medida jurisdicional: esta violaria o princípio da proporcionalidade, isto é, seria uma medida restritiva da liberdade do cidadão José Sócrates Pinto de Sousa desrazoável, não necessária (porque a própria investigação já tinha reconhecido que os pressupostos da prisão preventiva não se verificavam há algum tempo) e desproporcional, isto é, em termos simples, desajustada para o fim que visava. Logo, como havíamos antecipado, José Sócrates foi para casa. Novidade? Nenhuma.
4. Agora, atenção: da mesma forma que José Sócrates não era culpado porque estava a ser investigado – gozava, como qualquer cidadão, da presunção da inocência que é uma garantia constitucional sem a qual não há Estado de Direito – também não foi absolvido dos crimes pelos quais está indiciado pelo facto de a medida de coacção ter sido alterada. Ou seja: agora, a investigação deve preparar a acusação, ou não deduzir acusação se entender que não há razões para tal, depois haverá julgamento – e aí, José Sócrates será absolvido ou condenado.
5. Portanto, José Sócrates sairia sempre ontem ou na próxima quarta-feira. Caro leitor, registe: próxima quarta-feira. Dia 9 de Setembro. Dia de debate entre Passos Coelho e António Costa. Ou seja, António Costa corria o risco de a notícia do dia ser a libertação de José Sócrates. Pois bem, o PS, que se queixou tanto da Justiça, tem agora de a elogiar: o juiz Carlos Alexandre, e o Ministério Público, tiveram em conta o calendário eleitoral e o eventual impacto de uma decisão sobre José Sócrates no mesmo dia do debate. Portanto, ao contrário do que queria fazer crer o PS, o único momento em que a Justiça actuou com preocupações e cálculos políticos foi agora – e em benefício do PS.
6. Por outro lado, admitimos – tese que foi avançada por alguns comentadores – que as declarações de Paulo Rangel proferidas no passado sábado e as reacções muito críticas que se seguiram dos juízes, incluindo da associação sindical, tenham contribuído para o anúncio mais cedo da decisão de colocar José Sócrates em prisão domiciliária. O juiz Carlos Alexandre quis mostrar isenção total, quer do PS, quer do PSD, ou melhor, de Paulo Rangel. Ironicamente, Paulo Rangel acabou por facilitar a vida a José Sócrates. Involuntariamente e sem causa directa, mas Paulo Rangel objectivamente criou um ambiente favorável a José Sócrates.
7. Dito isto, se a decisão do juiz era mais do que previsível, já as consequências políticas para António Costa são totalmente imprevisíveis. José Sócrates vai virar a estrela do PS, os socráticos vão reaparecer rapidamente e em força, acentuando as divisões internas no PS. O PS está, utilizando uma expressão popular mas muito realista, esfrangalhado – depois da divisão entre Costa e Seguristas por causa de Maria de Belém; depois da divisão entre os apoiantes de Maria de Belém e os jovens turcos que apoiam Sampaio da Nóvoa – eis que os socráticos vão agora apresentar a factura a António Costa pelo seu não apoio a José Sócrates. Veremos as consequências que a libertação (condicionada) de Sócrates terá na liderança de António Costa.