Jorge Barreto Xavier: ‘Quem achou que eu ia ser uma figura decorativa enganou-se’

Aceitou o cargo de secretário de Estado da Cultura, numa altura em que a austeridade cerceou o setor, «precisamente» pelo desafio. Foi alvo de críticas, não se furtou a polémicas, e agora, quase três anos depois de ter sucedido a Francisco José Viegas no Palácio da Ajuda, apresenta serviço: «Fizemos mais em quatro anos do…

Jorge Barreto Xavier: ‘Quem achou que eu ia ser uma figura decorativa enganou-se’

Nasceu em Goa e cedo foi viver para a Guarda.

Ainda me lembro da viagem de carro, quando tinha cinco anos, de Lisboa para a Guarda. Era uma viagem longa e ainda hoje as massas das montanhas me fazem impressão, porque a subida para a Guarda parecia interminável. Vim direto do calor para o frio, dos 35 graus com quase 100% de humidade para os Invernos com 10 negativos.

Como é que isso aconteceu?

Na sequência da tomada de Goa pela União Indiana as famílias goesas com maior ligação a Portugal, como era o caso da nossa, tiveram mais dificuldades em ter um presente e um futuro em Goa. E várias dessas famílias decidiram ir para Portugal ou para outros espaços, nessa altura, colónias portuguesas em África. O meu pai, que se tinha casado uns anos antes, decidiu ir para uma cidade onde o seu irmão, médico, já estava a viver. O meu tio Miguel fez Medicina em Lisboa, foi colocado na Guarda no início dos anos 60 e por lá ficou. Durante os anos 60 era o único cardiologista no distrito. Por ali andou manhãs, noites, fins-de-semana durante muitos anos, por vezes centenas de quilómetros.

O seu pai era juiz?

Era magistrado do Ministério Público. Na altura a carreira era a mesma.

E a sua mãe?

A minha mãe era professora do Ensino Primário e assim permaneceu.

Nesse aspeto poder-se-á dizer que a transição foi pacífica.

Não foi nada pacífica porque estamos a  falar de ambientes culturais completamente diferentes.

Estava a falar das carreiras.

Sim, digamos que em termos de organização de vida, com o apoio da família que já lá estava, com a posição que o meu pai foi ocupar, foi uma transição protegida. Havia um grupo de amigos dos meus tios que passou a ser o mesmo e a sociedade da Guarda adotou-nos muito rapidamente. Hoje é a minha terra, cresci entre a Guarda e o Sabugal. É onde estão os meus amigos de infância, que ficam para a vida toda. 

A sua família era fervorosamente católica?

As famílias católicas goesas são por natureza famílias com uma prática religiosa forte. Ainda hoje, na nossa casa de Goa se reza o terço todos os dias, mas não é nenhuma visão obcecada, faz parte do quotidiano a presença da religião. Era uma família hindu que se converte ao catolicismo no século XVII e adota o nome católico Barreto Xavier. Era uma família brâmane religiosa, e continuou depois, com muitos padres na família. Lembro-me da ladainha de Santa Ana: iam de casa em casa com violinos e uma imagem de Santa Ana, e essa presença regular da Goa católica faz parte da minha infância.

Portugal não devia fazer mais pela proteção do património e pelo reavivar das relações culturais com Goa?

A aproximação cultural não é fácil. Na visita que fiz em 2013 estive com a ministra da Cultura em Deli, e ficaram várias portas abertas. Mas também fiz uma visita à China há menos tempo, em novembro, e já desenvolvemos um protocolo na área dos arquivos; estamos a preparar um festival do cinema chinês em Portugal. Com a Índia nada disso sucedeu.

Há ainda uma relação encrespada?

A Índia e Portugal têm relações estáveis e positivas. A comunidade de descendentes de indianos em Portugal é a quarta maior da Europa, salvo erro. Em relação a Goa, até há poucos anos o contacto não era reconhecível ou fácil. A Índia foi-se transformando e ganhou autoconfiança. Hoje é uma das  grandes potências mundiais e não tem nada a temer do mundo. Por isso julgo que alguns complexos relativos a Portugal deixaram de existir e os contactos são mais fáceis. Mas se isso é verdade, o grau de concretização na área da cultura não é tão evidente como noutras áreas. E espero que seja possível aprofundar essas relações.

Como decorreu a visita a Goa?

Aconteceu uma situação curiosa. Fui acompanhar o vice-PM numa viagem à Índia. Estivemos em Deli, em Mumbai, e deveríamos ter seguido para Goa, mas morreu Hugo Chávez, e Paulo Portas teve de ir às cerimónias fúnebres. Foi especial a possibilidade de visitar a terra onde nasci, e onde tenho muitos familiares, representando o Governo. Mas não tenho dúvida alguma sobre qual é o meu país. Portugal é a minha pátria. 

Desde muito cedo se interessou pela escrita, colaborou nos jornais escolares e no DN Jovem. O que o fez despertar para a leitura?

O meu pai tinha uma boa biblioteca. Comecei aos seis anos e não mais parei.

Mas podia não se interessar pela biblioteca.

Foi uma coisa natural. Comecei com seis, sete anos, a ler. Foi um dos grandes prazeres da minha adolescência. Passava muito tempo a ler. Chegava a ler dois e três livros por dia.

E hoje?

Hoje leio muito menos. O tempo para trabalhar não me dá espaço para a leitura. Continuo a comprar livros, vão-se acumulando.

E a sonhar lê-los.

São uma presença amiga, conforta-me saber que estão ali. Ao mesmo tempo, desde muito cedo tive uma grande paixão pela fotografia. Comecei a fotografar pelos oito, nove anos. Já o meu gosto pela música e pelo teatro sempre foi grande, mas tenho alguma dificuldade com as artes cénicas. Quando são coisas muito boas não consigo ter uma dose muito grande. O exercício de ver um bom espectáculo preenche-me de uma maneira muito forte.

Tem de fazer um período de nojo.

Às vezes tenho dificuldade em ver com muita gente. É uma questão de relação com o espectáculo em si. O espectáculo é um objeto de arte em movimento, mas para mim tem um objeto contemplativo forte. Apesar de ter consciência que o teatro é uma arte para ser apreciada no coletivo, com uma plateia, e que existe um exercício de comunidade quando se está numa sala de espetáculo. 

Seguiu Direito por gosto ou por pressão familiar?

Nem uma coisa nem outra. Nunca quis exercer Direito mas fui por opção. Porque é um curso propedêutico, tem um conjunto de matérias que me interessava conhecer melhor e devo dizer-lhe que me ajudou imenso ter feito o curso.

Mas sabia que não queria ser advogado ou juiz.

Tinha na altura a ideia de que gostava de dar aulas numa universidade, ter uma participação política e cultural. Quando comecei a estudar, com os amigos com quem comia na cantina universitária, pensei fazer uma mostra de arte. Tinha na altura 19 anos e entusiasmei-me com o projecto. Fundei uma associação, o Clube Português de Artes e Ideias (CPAI). Fiz com esse conjunto de amigos a Mostra de Artes e Ideias em 1986. Foi a primeira vez que em Portugal se integrou na mesma iniciativa arquitetura, artes visuais, cinema, dança, teatro, música, escultura, literatura. Foi uma coisa que mexeu na altura. Tínhamos 20 anos quando fizemos isso. E essa malta toda vingou.

Não era nenhuma associação secreta para assaltar o poder?

Nada disso. Não pertenço à maçonaria nem à Opus Dei, não fazem o meu género. As associações secretas são a negação da democracia.

Concluiu o curso…

Demorei uns anos a concluir o curso com estas coisas das atividades culturais… A Universidade Católica exigia a frequência das aulas e acabava por não ir às vezes. Acabei o curso à noite como estudante-trabalhador na Universidade de Lisboa, na Clássica.

Até teve um período ecologista.

Isso foi noutra altura. Estive associado à JSD no fim dos anos 70 e participei num grupo que era na altura do IPSD, hoje Instituto Sá Carneiro, e foi a partir daí que fui membro fundador do Geota com o Carlos Pimenta. Era chefe de redação de O Verde, cujo director era o Pedro Portugal, hoje diretor da ASAE.

A veia ambientalista esmoreceu?

Não podia fazer tudo. Nesse instituto ajudei a fazer a primeira normativa sobre as associações de estudantes. Houve um grupo que foi para o Parlamento: Passos Coelho, Carlos Coelho, Pedro Pinto; o grupo da Jota foi por esse caminho, eu fui pelo caminho da cultura.

Era militante?

Sim. Houve uma altura em que a atividade política, em especial a dinâmica do PSD, não me estava a agradar. E no difícil ano de 2013 decidi voltar.

Em que trabalhava enquanto fazia o curso?

Estive como assessor cultural do reitor da Universidade de Lisboa, professor Meira Soares. O vice-reitor, Jorge Gaspar, um dos grandes geógrafos portugueses, fazia a gentileza de me deixar ocupar o gabinete quando lá não estava. E então os contínuos insistiam em tratar-me por professor doutor, ao que lhes respondia que nem sequer era licenciado e para me tratarem por Jorge. E eles diziam, com certeza, sr. Professor!

Mas como é que um estudante chega a assessor do reitor?

Porque organizei uma exposição do CPAI na reitoria. Gostaram do meu trabalho e convidaram-me para trabalhar com eles.

Nunca esteve muitos anos no mesmo sítio?

Estive 17 anos no CPAI. De resto, tenho ciclos de três, quatro anos nos sítios onde estou. Em Outubro faz três anos que estou com a pasta da Cultura. E por estranho que pareça, em democracia, sou o terceiro membro de Governo com a pasta da Cultura mais tempo. Houve 24 titulares da pasta até hoje.

Qual é a sua explicação?

É uma área que tem muita combatividade política, o que faz com que os titulares não resistam muito tempo no cargo.

Além do orçamento em si, cada área tende a considerar-se desfavorecida em relação às outras?

Exatamente. São muitas áreas. Ou são os museus, ou são os artistas, ou é a arqueologia, ou as bibliotecas, ou as pessoas do cinema e assim sucessivamente…

O problema só seria resolvido com a riqueza de uma Noruega?

É uma área em que os egos são por natureza muito grandes, desde os artistas aos curadores, aos responsáveis pelas instituições,  às vezes têm egos do tamanho do mundo. Mas isto é quase co-natural à actividade cultural, centrada no indivíduo que a cria ou produz para ser consistente. A pessoa ou instituição somatiza muito a sua centralidade como forma de afirmação do seu projeto. Digo isto com alguma piada, mas ao mesmo tempo percebendo o sentido que faz e a razão por que nesta área em concreto os egos são tão grandes.

E o seu também é grande?

Calcula-se que sim, porque também estou nesta área há uns anos.

Neste período teve alguns desentendimentos que resultaram em demissões. Tem um temperamento difícil?

Tenho um temperamento forte, o que não é necessariamente um temperamento difícil. Significa que sei o que quero. Não haja dúvida que procuro concretizar as coisas em que acredito. Não significa que não oiça e que não respeite as hierarquias. Estou habituado a coordenar equipas mas também a obedecer. Trabalho para um líder, que é o primeiro-ministro, com muita honra e orgulho. E em momento algum a minha tarefa é incondicionada. Ao mesmo tempo, os objectivos específicos nos quais a responsabilidade é minha, procuro concretizá-los com toda a determinação. Quando existem antagonismos – falávamos de egos grandes, – as questões que se colocam têm de ser resolvidas. E a coisa pode pôr-se ao contrário: tenho  18 estruturas na minha dependência e a maioria absoluta delas trabalha comigo em paz. Se eu fosse uma pessoa difícil não seria assim.

Ao ser muito assertivo, não terá dificuldades em ouvir os outros e ter capacidade de recuar?

Já errei muitas vezes e voltarei a errar. Isto não significa que seja inseguro no que faço. Sigo um caminho. Aprendo muito com outras pessoas, sinto que tenho muito para aprender. Mas não podemos ficar parados, principalmente quando somos responsáveis para que as coisas aconteçam. 

O que o levou à JSD?

O meu pai e o meu tio foram fundadores do PSD na Guarda, em 1974. Tal como sou do Sporting desde miúdo, também sou do PSD desde miúdo. Era uma coisa de toda a família. Lembro-me de em 76 estar a colar cartazes da candidatura do general Ramalho Eanes.

Quando conheceu o primeiro-ministro?

No fim dos anos 70, início dos anos 80. Não era do grupo dele, não o conhecia bem. Deixe-me dizer-lhe assim: já o conheço há vários anos, tenho por ele uma grande admiração e julgo que posso dizer amizade. E não havendo homens providenciais, acredito que é o melhor primeiro-ministro para Portugal e tanto o trabalho que fez como o que pode fazer será demonstrado no contexto da História de Portugal das últimas décadas.

Nunca se bateu pela criação do Ministério da Cultura junto de Passos Coelho?

A questão que se colocou na formação do Governo, e eu não estava na altura, foi a de uma organização de um Governo mais pequeno. Ao colocar o secretário de Estado sob sua tutela direta, o PM fê-lo como noutros momentos do passado. Teresa Gouveia foi uma excelente secretária de Estado. Creio que há alguma obsessão por parte do Partido Socialista, e diria quase uma glorificação que parece patética, quando António Costa anunciou a criação de um Ministério da Cultura. Mas antes disso gostava que dissesse qual é o seu projeto cultural. Se é verdade que a questão estatutária tem relevância, mais importante é o que fazer com ela. O meu antecessor e eu fizemos mais em quatro anos do que nos seis anteriores.

Como é que aceitou a missão de ser SEC numa altura em que tinha de aplicar a receita da austeridade?

Precisamente por isso. Sabia que quase de certeza ficaria mal visto por uma série de gente que é minha amiga, porque há poucos meios e as pessoas gostam que haja muito dinheiro distribuído. E que podia gerar alguns antagonismos como gerei ao desenvolver certas ações legislativas. Atraiu-me precisamente a dificuldade, a possibilidade de num momento difícil poder dar um contributo ao meu país. 

O orçamento para a Cultura corresponde a 0,25% do OE. Há uma campanha que defende 1%.

A campanha já tem alguns anos, à esquerda do PS, e tem como referência a política de François Miterrand. Se quer que lhe diga, em termos gerais, acho muito bem. Disse sempre isso. Ter mais dinheiro para trabalhar nesta área é algo que me parece muito bem. Agora também sou realista, não sou utópico. A utopia é um parâmetro interessante para pensarmos, mas se vivermos na utopia não somos capazes de operar na realidade. Portugal, no período democrático, nunca teve 1% para a Cultura. Já esteve mais próximo, também há que o dizer, já chegou à casa dos 0,7%, mas também lhe devo dizer que a tendência do decréscimo da Cultura começou por volta do ano 2000 e só num período específico, 2008 e 2009, teve um ligeiro aumento.

Um estudo encomendado por si a Augusto Mateus conclui que a Cultura pode valer até 3% das exportações. Estando à frente de um Ministério não teria outra capacidade para exigir mais meios?

Ao optar por esta orgânica, o PM deu ao SEC a oportunidade de se reunirem. E isso para mim é uma vantagem em vários aspetos. Há um conjunto de legislação aprovada neste Governo e sobre a qual havia uma expectativa de 30 anos: na clarificação de questões fiscais sobre direitos conexos, na alteração do mecenato cultural, na concretização da lei da cópia privada, na actualização da lei do preço fixo do livro. Um conjunto de medidas que nunca podem ser consideradas política de direita, são política cultural, são transversais em termos de interesse. Uma certa esquerda poderá dizer sobre estas medidas aprovadas pelo Governo que não fomos longe demais, mas o que podemos constatar é que nunca as concretizaram. Aqueles que achavam que o SEC ia ser uma figura decorativa enganaram-se redondamente. E podem dizê-lo as vezes que quiserem, mas isso não é confirmado pelos factos.

Qual acha que deve ser a estratégia da projeção da língua portuguesa?

Há um estímulo à tradução, que tem sido sistemático, tanto na Europa, como no Brasil e noutros países. Em 2013, quando Portugal foi convidado de honra da Feira do Livro de Bogotá, estimulámos 32 traduções para língua espanhola. No contexto específico da relação entre países, estamos a colaborar com Moçambique num plano para o livro e a leitura através da Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e Bibliotecas. Também temos feito um trabalho de proximidade com Cabo Verde. 

Não faz sentido o Instituto Camões articular-se com a CPLP e com o Brasil para potenciar ainda mais essa projecção?

Esse trabalho não é mais estratégico porque o Brasil não tem essa operação global organizada. O ministro da Cultura esteve comigo em Lisboa e falámos sobre isso e do interesse em comungar um canal global de língua portuguesa. Esse foi um desafio que eu lancei já à anterior ministra da Cultura. Tivemos reuniões nas quais envolvemos a RTP, com o objectivo de criar um canal global de língua portuguesa com Portugal e o Brasil. Esse trabalho está a fazer o seu caminho. Era muito importante concretizá-lo. No que respeita ao futuro, é proposta do Governo a criação de uma operação a nível da internet de promoção da língua portuguesa. Para que uma das culturas regionais que se afirmam no contexto global seja a cultura da língua portuguesa. Somos a língua mais falada no hemisfério sul, temos o direito de aspirar a ser uma potência de língua e uma potência cultural e económica.

A Cultura é para dar lucro?

A Cultura também é para dar lucro, não é só para dar lucro. A Cultura tem um valor por si próprio, não pode ser nunca considerada, na minha perspectiva, meramente como objecto de mercado. 

A sua visão não é estatista nem liberal?

Essas ideias radicais não nos ajudam a perceber a presença da Cultura. A Cultura está tão impregnada na vida social, é uma coisa tão presente na vida de cada pessoa que é indissociável daquilo que fazemos. Há todo o interesse em pensar a Cultura como evento gerador de riqueza e presente no mercado, mas nem toda a Cultura é mercado. Não se reabilita património cultural só porque vende para os turistas. 

E a fronteira entre o que é Cultura e o que não é?

É uma fronteira muito complicada. O entretenimento é uma forma de cultura. A atividade lúdica é uma forma de cultura. A questão que se coloca é até onde devemos ir na operação da presença do Estado junto da cultura. 

Não lhe faz espécie que a estação pública de televisão patrocine e dê visibilidade a um cantor dito pimba e não tenha espaço, por exemplo, para a ópera?

Não me faz espécie que haja cantores, como diz, pimba na TV. Se há cantores populares, com grande público, devem estar presentes na TV pública. Faz-me espécie que outras coisas não estejam. Felizmente as coisas têm melhorado com a actual administração da RTP. Desenvolvemos uma série de protocolos. Estava a falar de ópera e tivemos sessões de ópera do Festival ao Largo em direto na RTP2. Tem havido uma abertura, e agora com a lei do cinema e do audiovisual temos a noção de que vamos conseguir conquistar espaço para a Cultura na TV.

A ampliação do Museu Nacional de Arte Contemporânea ficou marcada pela polémica à volta do chamado acervo SEC.

Achei a todos os títulos lamentável o que se passou. Um jornal abordou esta matéria chegando ao ponto da capacidade quase religiosa de avaliar as intenções do meu olhar. Acho extraordinário que a verdadeira notícia, que era a abertura do museu, não existiu. Um museu que duplicou de área no centro de Lisboa, ganhando mais 3500 m2, uma coisa esperada há muitas décadas, não seja notícia. 

Afinal, o acervo fica onde? 

O acervo estava à guarda da Direcção-Geral das Artes (DGArtes) e foi por mim entregue à Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC). Mas por causa de situações que punham em causa a relação institucional entre o Estado e a Fundação de Serralves, considerei que deveria voltar a entregar à DGArtes. Foi pela quase guerrilha que certas pessoas quiseram fazer à Fundação de Serralves usando a colecção SEC como arma de arremesso. E eu não podia admitir uma coisa dessas. É lamentável que possa haver pessoas dentro do Estado a comportarem-se dessa maneira e que instrumentalizem equipamentos e coleções do Estado para fazerem guerras pessoais.

O acervo vai continuar em Serralves?

Os acervos que estão depositados em Serralves continuam lá, a coleção continua a ser do Estado, a exposição que está no Museu do Chiado está acordada para acontecer durante um período alargado. Pedi à DGArtes e à DGPC para se articularem no sentido de encontrarem uma solução de futuro que não passe por situações de manipulação como aquela que aconteceu há pouco.

No Público foi acusado de ter um «notório desinteresse pelo destino do Parque e Museu do Côa». Para si, a criação desta estrutura foi um erro?

Não. O património arqueológico do Côa é muito importante. Agora, a Fundação do Côa, tal como foi criada em 2011, e as dificuldades supervenientes, tanto pelas limitações de despesa no contexto da lei-quadro das fundações, como pelas limitações efetivas da receita do Estado, como pelas condições de interioridade que representa a zona de Foz Côa, apesar do bem patrimonial relevante e do museu interessante, fazem com que não seja fácil a operação de Foz Côa. Reconheço que há muito a fazer para melhorar, o que de todo significa que há desinteresse.

Apesar das adversidades, faz um balanço positivo do seu mandato?

Foi meu objectivo garantir o serviço público de cultura e acrescentar um contributo. E eu tenho a certeza que conseguimos. O dispositivo manteve-se e em muitas áreas aumentou. Por exemplo, incorporámos um equipamento extraordinário, que é o Arquivo Histórico Ultramarino, que agora está na Torre do Tombo; ou o sistema integrado de património arquitectónico, que é o maior arquivo de arquitectura em Portugal, que agora integrou a DGPC; ou reabrimos museus que estavam fechados como o Machado de Castro ou a extensão do Museu Alberto Sampaio em Guimarães; ou reabrimos as portas a estruturas como a Casa das Artes no Porto; ou alargámos as competências a museus como o do Teatro, que passou a ser Museu do Teatro e da Dança; ou que o Museu da Música passasse a ser de grande dimensão, mudando-o das caves em que está no Alto dos Moinhos para o Convento de Mafra. As dificuldades existiram e eu gostaria de ter ido um bocadinho mais longe. 

cesar.avo@sol.pt