A 10.ª e mais longa visita oficial do pontificado de Francisco coroa também os esforços de bastidores do Vaticano. Quando, há nove meses, Barack Obama e o homólogo cubano Raúl Castro anunciaram o reatar das relações diplomáticas dos dois países, o Papa foi apontado como peça-chave para o retomar do diálogo interrompido mais de meio século antes. Já em julho, as respetivas embaixadas foram reabertas.
Terceiro Papa a visitar Cuba (entre 19 e 22 de setembro), depois de Bento XVI (2012) e João Paulo II (1998), «Francisco opõe-se tão firmemente ao embargo como os antecessores», afirmou à Reuters um oficial do Vaticano, em condição de anonimato.
No velho bastião comunista, Francisco pode sublinhar os esforços da Igreja Católica para quebrar o isolamento económico de Cuba. A voz ativa contra o bloqueio imposto pelos EUA – que se mantém, apesar de algumas restrições terem sido levantadas – apouca-se no que diz respeito a violações dos direitos humanos na ilha. As Damas de Blanco, familiares de presos políticos cubanos, pediram uma audiência a Francisco, mas as dissidentes assumidas não constam da agenda papal.
Entre missas, encontros com membros da Igreja e cubanos anónimos, o também primeiro Sumo Pontífice latino-americano tem encontro marcado com o Presidente Raúl Castro no dia 20 (e, permitindo a saúde de Fidel, ainda poderá reunir com o líder revolucionário). A última vez que o PR cubano viu Francisco, em maio no Vaticano, para lhe agradecer a mediação com os EUA, Raúl admitiu: «Se o Papa continua a falar assim, um dia destes vou recomeçar a rezar e regressarei à Igreja Católica». Palavra de ateu que agora abre as portas de casa para receber o chefe dos católicos de todo o mundo.
Primeira viagem ao coração do capitalismo
Aos 78 anos, Francisco vai conhecer pela primeira vez os EUA, que por sua vez vão viver o momento inédito de assistirem ao discurso de um Papa no Congresso (dia 24), em Washington.
Ali, dificilmente repetirá as palavras proferidas há meses na Bolívia, quando comparou um capitalismo sem restrições ao «esterco do diabo». Mas na audiência com Barack Obama (dia 23), nas missas em Washington, Nova Iorque e Filadélfia, no discurso nas Nações Unidas (25), nos encontros com famílias católicas, presos e sem-abrigo, Francisco deve manter-se fiel à bandeira que mais agita desde que assumiu o papado: a proximidade com mais os pobres e excluídos.
E porque «não se pode excluir nada com este Papa», como brincou esta semana o porta-voz do pontífice, padre Federico Lombardi, críticas às políticas anti-imigração (que querem ganhar força num país consolidado pela presença de imigrantes) ou às intervenções militares (que substituem responsabilidades na mediação dos conflitos) podem contrabalançar palavras de apoio aos esforços americanos no combate ao aquecimento global ou às negociações com Irão e Cuba.
Francisco pode levar a ilha a Nova Iorque, no discurso na sede das Nações Unidas. No ano passado, a ONU votou uma resolução para acabar com o embargo – com os votos contra de EUA e Israel. O ministro dos Negócios Estrangeiros de Havana recordou esta semana que mais de três quartos dos cubanos «nasceram e têm vivido sob os cruéis efeitos do bloqueio. O impacto humano e os danos são extremos».
Nova votação está agendada para 27 de outubro e Francisco deverá passar a mensagem. Mas, em última instância, é o Congresso que decide o levantamento do embargo económico – e dos congressistas o Papa não deverá levar essa promessa.