Professor e vice-presidente da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, Luís Aguiar-Conraria é crítico da forma como muitos colegas do país encaram a profissão. “Os economistas em Portugal vivem no seu mundo e nos seus modelos, não têm em atenção a realidade”. Fez o doutoramento nos EUA, na Universidade de Cornell. Numa entrevista ao Negócios, definiu-se como um “economista de esquerda que sabe fazer contas”. Não concorda com muitas ideias mais à esquerda, por exemplo no combate aos baixos salários. “Não aceito que se desista dessas pessoas, mas não acredito que a subida do salário mínimo seja a forma de o combater. Prefiro mil vezes uma taxa negativa de IRS para os escalões mais baixos”.
A economia tem vindo a recuperar. É uma tendência sustentável?
É a resposta que todos gostariam de ter. Não há dúvida de que a economia está a melhorar, isso não está aberto a debate. Temos taxas de crescimento que não são maravilhosas, mas que estão acima de 1%, o que corresponde às taxas médias que tivemos desde 2000 até ao ano da crise. Se é durável ou não, vamos ver.
A economia teria capacidade de resistência a um novo choque externo negativo? Fala-se da China.
Nenhuma. Está tudo preso por arames. A crise da China não afeta Portugal isoladamente, mas complica a missão do BCE, com o aumento da instabilidade nos mercados mundiais. Estamos todos muito endividados, incluindo a China, e se houve coisa que aprendemos é que crises financeiras são geralmente precedidas por níveis de dívida muito elevados.
Quanto às causas da recuperação, não há consenso. A que atribui este desempenho?
Há dois aspetos essenciais, em que Governo e oposição terão de concordar. Em primeiro lugar tivemos uma intervenção decisiva do BCE, que permitiu uma redução das taxas de juros. Depois há a extraordinária descida do preço do petróleo. Estes fatores externos contam. Quanto a outras causas, há margem para cada um puxar a brasa à sua sardinha. Temos o Tribunal Constitucional. Pessoas como eu, que desde muito cedo pensaram que a austeridade excessiva impedia a economia de crescer, não têm motivos para pensar que estavam erradas. Houve uma série de medidas chumbadas que foram apenas parcialmente compensadas e no último ano nem sequer parcialmente. Isso beneficiou a economia, mas admito que é legítimo pensar o contrário. Se o meu a priori fosse estar do lado do Governo, também acharia que o PIB estar a crescer era sinal de que as coisas tinham sido bem feitas e que toda aquela austeridade dos primeiros anos tinha dado frutos. Admito que alguém intelectualmente honesto tenha essa convicção.
O programa da troika teve méritos?
No mercado de trabalho conseguiu-se uma maior flexibilização, e se calhar a descida da taxa de desemprego reflecte isso, um pouco. Claro que um economista mais de esquerda dirá que é um aspecto negativo do programa haver maior flexibilização. Eu, sendo de esquerda, acho que Portugal tem um sistema laboral demasiado rígido para alguma parte da população, não para toda. Quem está com contratos a prazo ou a recibos verdes tem uma flexibilidade absurda. Mas o outro lado do mercado está muito rígido e deram-se passos importantes. Alguns cortes nas despesas com estruturas públicas – direcções-regionais, etc – também permitiram uma maior racionalização de custos.
Mas houve uma mudança estrutural da economia?
Os indicadores, para já, dizem que não. Conseguimos ter as contas externas equilibradas, mas em parte devido à queda do preço do petróleo e à redução da procura interna, com a queda do consumo provocada pela quebra abrupta dos rendimentos. Tudo indica que quando começarmos a crescer as importações vão voltar a aumentar. As exportações têm-se portado bem, é inegável. Mas desde o início do século que as exportações têm vindo a aumentar, e com conteúdo tecnológico cada vez mais relevante. Caíram na altura da crise e retomaram a trajetória anterior. Claro que outras coisas ajudaram. O colapso do mercado interno, por exemplo, obrigou os empresários a procurar novos mercados e os salários baixaram em Portugal.
Os salários são um fator de competitividade importante? O peso dos custos salariais é relativamente baixo no total nos custos das empresas exportadoras.
Isso é pensar no custo médio, e em economia isso interessa pouco. O que conta é o custo marginal, o custo adicional de produzir mais uma unidade, de contratar mais um trabalhador. Se a empresa quer produzir mais um pouco para ir ao mercado internacional e quiser contratar mais um trabalhador ou mais horas extraordinárias ou o que quer que seja, os custos salariais são relevantes. E, objetivamente, têm vindo a aumentar bastante, em comparação com a produtividade. É pena que tenhamos tanta gente a ganhar tão pouco, mas neste momento não consigo ver como fugir a isso.
Não devíamos estar a olhar para outros fatores de crescimento, além dos salários baixos?
O problema é que não podemos fugir a uma coisa: temos uma mão-de-obra muito pouco qualificada, sobretudo a partir dos 40 anos. Não vale a pena pensar que vamos ter essas pessoas a produzir com tecnologia avançada. Vamos ter de arranjar um modelo económico que não desgrace essas pessoas. Esse é o meu medo: que se excluam do mercado de trabalho pessoas com baixa produtividade. Daí a importância de encontrar formas alternativas ao salário mínimo de apoiar os trabalhadores com salários mais baixos. Um escalão de IRS com taxas negativas para os rendimentos mais baixos será uma possível solução.
Como se resolve a falta de qualificação?
É uma questão geracional. Todos os anos há pessoas que se reformam e saem do mercado de trabalho, o ajustamento vai sendo feito lentamente. O problema mais grave é que, no caso dos jovens, a geração mais qualificada de sempre está a sair. Vejo pelos meus antigos alunos, todos vemos: muitos estão a ir para o estrangeiro.
Sem eles não será possível a tal mudança qualitativa da economia?
Se as coisas começarem a melhorar e eles regressarem rapidamente, diria até que é bom – ganharam experiência e se voltarem é fantástico. Se não regressarem é um desastre. São as pessoas que fazem um país crescer. A inovação e o progresso técnico são essenciais. E isso faz-se com jovens. São eles quem cria novo hardware e software.
O regresso de jovens seria suficiente para a economia crescer mais?
Não. Mesmo que todos regressem, continuaremos a ter poucos jovens. E não dá para começarmos a reproduzir-nos como doidos, porque só daqui a 25 anos é que estariam no mercado de trabalho. Temos de ter mais imigração. De um ponto de vista estritamente egoísta, todos estes refugiados a baterem-nos à porta são uma excelente oportunidade. Portugal teria muito mais a ganhar do que a Alemanha com a vinda de alguns milhares de refugiados. Mas não, a Alemanha é que vai aproveitar a oportunidade. É dos casos em que sermos solidários é compatível com sermos egoístas. É uma pena se não aproveitarmos.
Como é que se consegue atrair mais estrangeiros? Abrir fronteiras é complicado, politicamente.
Neste momento temos o instrumento perfeito para atrair jovens. As universidades estão a abrir-se aos alunos de fora da UE e estão a cobrar propinas altíssimas: cinco, seis, sete mil euros. Poderia haver uma aposta coordenada do Governo com embaixadas e universidades de promoção de cursos no estrangeiro, que permitisse trazer jovens para se licenciarem. Poderíamos fazer uma promessa de que quem ficasse cá a trabalhar depois do curso veria o valor das propinas ser devolvido na forma de crédito fiscal – sempre que pagassem impostos descontavam o valor das propinas. Era um prémio para quem ficasse e tornava os nossos cursos mais atrativos. Traria população jovem e dinâmica, sem grandes dificuldades políticas.
Na discussão sobre a capacidade de crescimento por vezes vem à baila a renegociação da dívida pública. Concorda ou não?
Se os alemães chegassem cá e dissessem para pagarmos apenas metade da dívida, claro que sim. Qualquer pessoa gostaria de pagar menos. A questão é se devemos ser proativos ou não. E a reestruturação de dívida pode ser feita de várias formas, não apenas pelo haircut [corte nominal do valor da dívida]. Há muitas maneiras de matar moscas. E vai haver bom senso. O Tratado Orçamental indica que em 2035 teremos de atingir os 60% da dívida pública no PIB. Até 2030 muita negociação irá haver.
A Grécia mostrou que tentar um embate contra as instituições comunitárias é difícil.
É uma loucura. Muita gente – eu incluído – pensou: «eu nunca teria votado neles, mas desejo-lhes que corra bem», e se corresse bem seria ótimo. Mas não, com toda a sua agressividade, o Syriza desbaratou uma opinião pública europeia que lhe era favorável.
O que podiam ter feito de diferente?
Só o facto de serem extremamente vocais na recusa de qualquer pacto que não incluísse reestruturação explícita da dívida fez com que na Finlândia todos recusassem apoiá-los, fez com que o Schäuble ganhasse peso dentro do Governo, pela popularidade que granjeou. E de certa forma alienaram o principal aliado, a Merkel.
A determinada altura discutiu-se a saída do euro. Que implicações teria?
Ninguém com honestidade intelectual sabe responder, só pode traçar cenários. A mim tudo me parece uma catástrofe. Como evitar um pânico bancário? A dívida ficaria em euros ou dracmas? Se se mantivesse em euros e o dracma desvalorizasse, a dívida disparava, seria uma loucura. Se passasse para dracmas, inflacionavam a economia, o valor da dívida reduzia-se e eles pagavam, mas se calhar os credores não gostariam disso. Toda esta incerteza gera atritos desagradáveis no mercado.
Em Portugal devemos ou não aliviar a austeridade?
Ninguém contava com estas taxas de crescimento. Imaginando que a economia cresce 2% ao ano e que a despesa pública não aumenta ou aumenta 1% ao ano, automaticamente o rácio da despesa sobre o PIB diminui. Estamos com saldo estrutural primário positivo, segundo algumas estimativas, por isso não vejo necessidade de adicionar medidas. A exceção é a segurança social, que é um problema específico. Em função da evolução económica, devíamos reduzir a sobretaxa de IRS, depois descongelar a carreira dos funcionários públicos e os aumentos salariais no Estado.
Como olha para o que está ser proposto agora pelos partidos?
Sou muito descrente em promessas e programas eleitorais. O caminho a seguir é muito estreito. As balizas impostas pelo Tratado Orçamental não deixam margem para que um partido seja muito diferente do outro. O PS pode ir mais à esquerda, a coligação mais à direita, mas vão os dois na mesma estrada. Não acho que o discurso seja assim tão diferente. O que decidiu o meu voto não foram questões económicas, teve a ver com temas ligados à co-adopção e adopção gay, ao aborto, etc. E também em algum ênfase no combate às desigualdades. Por fim, alguém de esquerda dificilmente pode votar no Governo que desferiu o maior ataque de sempre à escola pública.
O PS propõe um estímulo orçamental por via da redução da TSU dos trabalhadores. Faz sentido usar as receitas da Segurança Social (SS) para este fim?
Se se verificasse o que eles pensam que se vai verificar, seria mau: os dados da balança comercial indicam-nos que não devemos abusar de medidas que estimulem o consumo. Mas como acho que não tem esse efeito, não me incomoda muito. A redução da TSU para os trabalhadores vai fazer com que as pessoas com rendimentos mais elevados poupem mais, para compensar a descida correspondente nas pensões. O efeito vai ser outro: ao baixar a TSU, haverá mais poupança e investimento em instrumentos financeiros alternativos, como PPR. Isso corresponde a uma forma parcial de passar de um regime de repartição para um de capitalização, o que é positivo. Ou seja, concordo com a medida, mas por motivos diferentes dos dos apresentados pelo PS.