Mas importa conhecer melhor o chícharo. É uma leguminosa, habitualmente, semeada em fevereiro que resulta numa planta verde de flor branca cujas vagens são apanhadas em agosto. No passado, eram malhadas na eira e depois armazenadas, hoje o processo é mecânico dada a proporção da produção e a atualização das práticas agrícolas. Certo é que esta leguminosa cuja designação advém do latim Cicer é hoje muito conhecida e até utilizada, quer pelos locais de Alvaiázere, quer por entusiastas de outros pontos de Portugal que veem no chícharo um bom contributo para a diversidade alimentar. Rica em sais minerais, hidratos de carbono e de alto valor proteico, permite uma alimentação saudável e é muito saborosa.
Essa tem sido a missão da confraria do Chícharo, mostrar a versatilidade do produto e as suas características organoléticas e químicas. Mas para além do sabor, da variedade de utilização, das práticas agrícolas associadas, a confraria do Chícharo também releva a história associada a este produto e dá um excelente contributo para a história da alimentação. Sabe-se que era presença assídua na mesa no tempo do Império Romano e, já nessa época, era reconhecida a sua versatilidade. Terá sido o povo árabe que introduziu o seu cultivo no sul do nosso território sendo que as migrações internas associadas à sazonalidade das práticas agrícolas fez com que alguns locais de Alvaiázere vissem no chícharo um produto que poderiam cultivar nas terras áridas das Beiras.
No período económico difícil que caracteriza a primeira metade do século XX em Portugal, o chícharo assume papel determinante na alimentação da população local do maciço calcário, sobretudo, para a de menos recursos, que encontrava naquela leguminosa um alimento que lhes permitia, não só saciar a necessidade alimentar, como também forte sustento para as difíceis e esforçadas práticas agrícolas. Na mesa dos mais abastados, o chícharo não entrava por não ser bem considerado e relevado. Nestas casas, a produção de chícharo destinava-se ao alimento para os animais, como forragem. O desenvolvimento do país levou à desvalorização deste produto e ao seu afastamento de qualquer utilização gastronómica. Valeu-nos a ação da Confraria do Chícharo que resgatou, não só a sua utilização, bem como a sua história e cultura associada.
Nas palavras dos confrades, o chícharo foi agora “redescoberto para gáudio dos apreciadores de uma gastronomia diferenciadora, original e identitária do concelho de Alvaiázere”. É, pois, notório o orgulho e, sobretudo, o modo como aquela leguminosa identifica quem ali nasceu ou ali ganhou raízes. Aliás, são os próprios que referem que o chícharo “(…) enfrenta a adversidade dos solos áridos e pobres com a mesma nobreza que os alvaiazerenses se empenham na divulgação de tão apreciado alimento”. Incansáveis na sua ação, levam o chícharo a todo o país e desenvolvem actividades onde o chícharo sobressai. Receitas como a chicharada popular, salada de orelha de porco com chícharo, chícharo ensalsado, chicharada de búzios ou tantas outras, mostram como o chícharo pode ser introduzido numa refeição em qualquer dos seus momentos. As versões tarte, biscoito, pudim ou gelado, mostram a capacidade de inovação destes confrades destemidos que acreditam que pelo excesso se poderá resgatar a importância, o sabor, a história e a cultura do chícharo.
A capa e chapéu castanhos a recordar a aridez dos solos do maciço calcário são pontuados pelo verde da planta que dá as vagens com a leguminosa. O medalhão ostenta os brasões da confraria e do município de Alvaiázere, numa e noutra face, e é suportada por uma fita de linho, outro dos produtos que sempre caracterizou e identificou aquela região. O malho, usado em tempo para malhar o chícharo na eira, é hoje símbolo de preservação da tradição ao ser utilizado como vara de entronização de novos confrades. São estes saudados com um objeto que sempre fez parte do imaginário popular e tradicional daquela região por ser utilizado num produto que tanta fome matou. Centrados, naturalmente, no chícharo quase nos esquecemos da riqueza paisagística e geológica de Alvaiázere. Com vários pontos de interesse, este ponto no Maciço Calcário, onde na Serra de Alvaiázere está o ponto mais alto de todo o Maciço da Serra do Sicó, apresenta vários percursos pedestres onde é possível admirar, quer a geologia da região, quer a presença dos vários povos que ocuparam a Península Ibérica, quer ainda a fauna e flora onde se destacam as ervas aromáticas que acompanham quem por ali passeia. É caso para dizer que o chícharo poderá ser o ponto de partida, a razão, o motivo para ir a Alvaiázere. Mas o convite estende-se a uma experiência que vai além da gastronómica e que está relacionada com as características da geografia local. Os confrades sabem disso e, por isso, teimosamente afirmam o chícharo como o convite para a descoberta de Alvaiázere e toda a sua cultura e história. Ponto de partida e de chegada para quem ali tem ou encontra as suas raízes, é Alvaiázere e o chícharo que animam os sentimentos e a vontade de quem sabe que a paixão à terra nos leva à concretização da vontade sem limites em afirmar as nossas origens. A cumplicidade entre confrades e confrarias desperta e enraíza os sabores que nos caracterizam, sem dúvida, com chícharo também.