A sentença de Salomão

Duas prostitutas apresentaram-se perante o Rei Salomão e uma disse-lhe:

Disse a outra mulher:

– Não, o vivo é o meu filho, e o teu filho é o morto.

Mas a primeira retorquiu:

– O morto é o teu filho, e o vivo é o meu.

Depois de ouvir as duas mulheres, o Rei disse:

– Trazei-me uma espada! – Trouxeram-lhe uma espada, e ele ordenou: – Dividi em duas partes o menino vivo, e dai metade a uma e metade a outra.

Mas a mulher cujo filho era o vivo implorou:

– Meu Senhor, dai o menino vivo a ela e não o mateis!

A outra, porém, discordou:

– Que não seja teu nem meu; dividi-o.

Então, decidiu o Rei:

– Dai a esta mulher o menino vivo, porque esta é a sua mãe. (adaptação minha do texto bíblico).

Na entrevista que deu ao SOL há quatro meses, Passos Coelho exprimiu pela primeira vez uma ideia que depois repetiria em várias ocasiões:"O que vai estar em jogo nas próximas eleições é saber se damos maioria ao atual Governo ou se damos maioria ao Partido Socialista. Espero que uma destas coisas aconteça".

Nesta maneira de pôr a questão, Passos Coelho agiu como a mãe legítima da história do Rei Salomão.

Tal como ela, Passos disse aos eleitores: ‘Eu desejo a maioria absoluta, mas se não a puder ter, que a dêem então ao Partido Socialista’.

Desta maneira, tentou mostrar que põe os interesses do país acima dos seus próprios.

Que, mais importante do que ele ser ou não primeiro-ministro, é Portugal ter um Governo com condições para governar.

Em 1979, ainda que por outras palavras, Sá Carneiro jogou exatamente a mesma cartada: formou a AD e apelou à "bipolarização".

Nessa altura ganhou a aposta, conseguindo a primeira maioria absoluta desde o 25 de Abril.

E, como tenho repetidamente escrito, é esta a estratégia correta.

A democracia funciona melhor quando há bipartidarismo – ou seja, quando dois partidos (neste caso, um partido e uma coligação) concentram a maioria dos votos e se revezam no Governo.

É assim nos Estados Unidos, em Inglaterra, em Espanha, etc.

Este sistema tem defeitos?

Claro.

Mas nunca se inventou outro melhor.

 

Depois da Inglaterra, a Grécia

A esquerda exultou com a vitória do Syriza na Grécia, e a direita assobiou para o ar.

Nem uma nem outra das reações tem razão de ser.

Este Syriza defende exatamente o contrário do que defendia há oito meses, aquando das últimas eleições.

Há oito meses, defendia uma estratégia de confrontação com a Europa, o não pagamento da dívida e a recusa da austeridade.

Hoje, defende o consenso com a Europa, o pagamento da dívida e a aceitação da austeridade, consignada num terceiro resgate.

A esquerda devia estar satisfeita se a Unidade Popular, o  partido apoiado por Varoufakis e formado pelos deputados  que não mudaram de opinião, tivesse ganho as eleições; mas nem sequer elegeu deputados.

E a direita não tem razões para assobiar para o ar.

Primeiro, porque ficou provada a sua tese de que o caminho dentro da União Europeia deve ser o do consenso e não o da confrontação.

Até um homem com o historial de Alexis Tsipras já o reconheceu.

Segundo – e mais importante – porque na Grécia venceu a continuidade.

Ou seja: mesmo num país em que as coisas correram muito mal, a continuidade venceu.

Venceu quem estava.

As pessoas votaram em quem já conheciam, recusando apostar no escuro.

Apesar de todos os seus erros, trapalhadas e cambalhotas, Tsipras foi reeleito!

Uma palavra final para as sondagens.

Na Grécia, como na Inglaterra há quatro meses, as sondagens davam um empate e acabaram por ganhar por larga margem os partidos do poder: em Inglaterra os conservadores de Cameron, na Grécia os ex-extremistas de Tsipras.

Isto reforça a ideia de que, no momento decisivo, as pessoas apostam no conhecido em prejuízo do desconhecido.

Em Portugal, estando a coligação e o PS quase empatados a oito dias das eleições, a direita espera que se passe o mesmo.

 

Uma questão ridícula

A polémica que se instalou à volta de uma sondagem da Eurosondagem, que dava a maioria de votos ao PS mas a maioria de deputados à coligação, foi ridícula.

Como ridícula foi a manchete do Expresso dizendo que Cavaco Silva chamará para formar Governo quem tiver maior número de mandatos.

Mas poderia haver alguma dúvida sobre isso?

Só num país de opereta uma questão como esta daria azo a dúvidas.

Esclareçamos.As percentagens nacionais têm um valor puramente indicativo, ou seja, não servem para nada.

Os deputados são eleitos por círculos eleitorais, e o que interessa são as percentagens em cada círculo – que, de acordo com o método de Hondt, estabelecerão o número de deputados que cada partido terá nesse círculo.

Repito: as percentagens nacionais não contam para coisa nenhuma.

E mesmo as percentagens por círculos só contam para a eleição do número de deputados, não têm valor em si.

Passado o momento da votação, as percentagens são deitadas fora e o que fica é o número de deputados eleitos.

Portanto, lançar dúvidas à volta disto, ou mesmo fazer humor – como fez António Costa, dizendo qualquer coisa como «eles querem ganhar marcando menos golos mas por terem mais jogadores em campo» – é uma infantilidade.

As percentagens servem para calcular o número de deputados que cada partido ou coligação terá em cada um dos 22 círculos eleitorais – e quem o PR chamará para formar Governo será a força política com mais deputados.

Alguma dúvida?

jas@sol.pt