Em parte já era conhecido, porque inclui crónicas publicadas pelo autor no Expresso, mais três livros seus devidamente revistos e atualizados (Livro de Bem Comer, de 1987, e Histórias e Curiosidades gastronómicas, 1992, Escritores à mesa e outros artistas, 2010, todos da Assírio & Alvim).
Logo de entrada, o autor diz ao que vem, com uma citação de Camilo: “Eu não costumo obtemperar com os paladares depravados pelas iguarias à francesa. Todo o meu intento, embora mal desempenhado, tem sido posto nos usos e costumes da nossa terra”.
O começo do livro é um passeio pelos pratos tradicionais de cada região do País. A enumeração pode ser fastidiosa, mas importante numa obra definitiva de consulta. Mas depois as descrições das receitas, a confeção, as referências literárias, são o grande consolo. Ler, por exemplo, Albino Forjaz de Sampaio perorar que “em alguns povos, a sopa é preparação para o jantar; em Portugal, a sopa é já jantar”. E ficarmos depois com essas receitas grossas e sólidas, de sopas definitivas – o caldo de feijões encarnados, o de unto, o de abóboras, a sopa da pedra, a de tomates com ovos, a de beldroegas, de cação, eu sei cá. Ou sobre as trutas transmontanas, o Torga: “Quem for a boticas, coma um peixinho desses, e beba-lhe vinho dos mortos em cima. Pelo que houver, fico eu”. Passemos glórias nacionais, como o arroz de forno lá do norte. E fiquemos no Ribatejo, para acompanhar o lombo do porco assado, e aproveitar todo o animal, as febras no espeto, e depois “as vísceras, de que se fazem fígado de cebolada, arroz de bucho, e cachola, misto de redanho, fígado, baço e carne magra, cozinhados com vinho”. E aqueles aproveitamentos até dos ossos, porque a necessidade aguça o engenho culinário.
Ou ler o espanhol marquês de Montebelo, do Séc. XVII, sobre os salmonetes de Setúbal, essa “galinhola do mar” (segundo os italianos): “… que en aquel mar se pescan, regaladíssimo pescado, e de estimación grande”.
E depois temos coisas maiores, em monografias, como a melopeia da lampreia, os bacalhaus, as sardinhas, o cozido, a bifalhada, a caça no prato, efemérides, homenagens a mestres cozinheiros e escritores apreciadores, os queijos, as sobremesas, as bebidas, enfim, o tudo da nossa gastronomia.
E um saborzinho daquelas crónicas deliciosas de vinhos, tão desnecessariamente efémeras, e que foram um marco único da cronicação nacional: o texto de abertura delas, sobre o Barca Velha.
E cá fica a marca mais definitiva de Quitério, sobre a gastronomia portuguesa – para além da influência enorme que teve no retomar da crítica no sector, e no estilo que acabou por aí tão imitado (pena só não terem sido igualmente imitadas as suas prevenções éticas).