Passos, Nossa Senhora e as sondagens

 

Que razões poderão estar por detrás do que nunca aconteceu? Questão complexa para uma resposta, ou conjunto de respostas, simples. Os portugueses reconhecem em Passos Coelho seriedade, resistência à adversidade e o mérito de ter salvo o país de uma bancarrota anunciada e temida. É uma narrativa vencedora e dificilmente rebatível, o drama grego ajudou a formar a convicção de que o primeiro-ministro travou o que para muitos era uma inevitabilidade (um segundo resgate). Aliado a isso, os números de recuperação de emprego (falaciosos ou não) e do consumo privado (compra de casas e carros), levou muitos a uma máxima da sabedoria popular que poderia ser celebrada por Jerónimo de Sousa – ‘depois do governo comer os ossos é justo que coma a carne’.  

Os analistas concluirão que, à semelhança de 1987 com Cavaco Silva, uma maioria silenciosa escolheu a previsibilidade contra a incerteza, preferiu uma ideia de boas contas contra o despesismo associado ao Partido Socialista. Concluiremos também que Passos, nesta primeira fase da sua revolução liberal, potenciou um país de gente que não vê com bons olhos os que não contribuem, os pobres, os desempregados de longa duração, os excluídos. Um darwinismo que faz os países mais fortes e aptos numa sociedade que não pode ficar para trás por causa de quem fica para trás. Princípio tenebroso, que Passos não partilha ao que creio, mas que ganhou adeptos por estes anos.

Finalmente, a previsível vitória da coligação (à luz das sondagens) indica-nos que António Costa não conseguiu demarcar-se do último governo socialista. Que não foi capaz de provar ao eleitorado à sua esquerda ou indeciso que era a única hipótese que tinham para retirar Passos da liderança. Que não criou empatia com o eleitorado e que Sócrates foi a sua alma penada, a alma que assombrará o PS como Bela Guttman assombra o Benfica.

Dizem-me alguns socialistas que as premissas da coligação não são verdadeiras, que tropeçam em mentiras e atiram o lixo para debaixo do sofá. Lamento informá-los de que tudo isso é secundário – saber se Nossa Senhora de Fátima apareceu aos pastorinhos passou a ser um assunto lateral, o importante é que milhões de pessoas acreditam que sim. Na retórica de Passos Coelho o fundamental não é saber se foi o salvador, é saber quantos acreditam que o foi. Pelos vistos os suficientes.

Porém, volto ao mesmo, o que não me sai da cabeça. Nunca houve um governo que tenha ‘apertado o cinto’ à população e ganho as eleições seguintes. Isso nunca aconteceu, em Portugal ou em qualquer democracia europeia. É esse o detalhe que me leva a continuar a duvidar desta vitória anunciada – apesar de acreditar que as sondagens expressam a verdade tendencial do eleitorado estou como São Tomé, ver para crer. Não faço apostas. Nem sequer sobre o meu próprio voto. 

luis.osorio@sol.pt