Mal entramos na Garagem Sul, do Centro Cultural de Belém, uma maquete gigante representativa da cidade de Lisboa prende-nos o olhar. A peça é o ponto de partida para a exposição ‘Carrilho da Graça: Lisboa’, mostra que pretende dar a conhecer a “devoção tenaz” do arquiteto natural de Portalegre que se fixou em Lisboa há quatro décadas.
É aí, em frente ao modelo da Grande Alface, que Carrilho da Graça nos explica porque decidiu focar a mostra apenas na capital, em vez de fazer uma retrospetiva de toda a sua obra que se encontra espalhada pelo mundo. “Seria difícil fazer uma exposição em que Lisboa não tivesse o papel principal. Tenho uma maneira de olhar para a cidade original e os projetos que trouxe para aqui ilustram bem isso mesmo”, diz o arquiteto, referindo-se à teoria sobre o território que tem vindo a desenvolver durante os seus mais de 40 anos de atividade, a trabalhar e a dar aulas.
A teoria é fácil de compreender, mas requer explicação demorada. “Em qualquer espaço geográfico, as pessoas caminham pelas linhas mais altas do território, que surgem sobre dois vales. Normalmente os vales têm cursos de água e vegetação, logo não são os primeiros a serem utilizados. Já os promontórios, como oferecem maior segurança e visibilidade, tornam-se os percursos principais e a cidade desenvolve-se a partir daí. Ou seja, a topografia do território determina a construção da cidade e da sua arquitetura”. Aplicando o conceito a Lisboa, as áreas do Castelo de São Jorge, de um lado, e do Convento de São Francisco, do outro, são dois dos pontos altos, com a Avenida da Liberdade o vale.
Por ter uma “geografia barroca”, a construção de Lisboa centrou-se sobretudo na criação de malhas reticulas, sobressaindo a enorme “vontade de simplicidade, que só não se concretiza completamente porque a topografia é extremamente complexa”. É por causa disso, diz Carrilho da Graça, que os seus projetos na capital obedecem sempre a uma regra comum: as linhas muito retas. “A topografia de Lisboa é tão sensacional que até as coisas mais simples acabam, pelo contraste em relação a tudo o que já existe, por brilhar”.
Assim, são 12 os projetos que apresenta na exposição para suportar esta sua visão da arquitetura. Os mais identificáveis talvez sejam o Pavilhão do Conhecimento, o Museu da Fundação Oriente, a Escola Superior de Música e a Escola Superior de Comunicação Social. Brevemente, vão nascer mais dois: a reabilitação da praça do Campo das Cebolas e o Terminal de Cruzeiros de Lisboa.
A zona ribeirinha tem sido terreno fértil para o arquiteto que nasceu em Portalegre há 63 anos, e os dois novos projetos, cujas obras deverão arrancar até ao final do ano, vêm reforçar a sua presença junto ao rio. E se há área para a qual Carrilho da Graça gosta de trabalhar é essa, que é como quem diz “projetar na cidade a partir dos seus valores mais perenes: o sol, a água, a luz…”. Nesse sentido, tanto a intervenção no Campo das Cebolas, como a construção do novo Terminal de Cruzeiros comunicam com o rio, com a intenção principal de serem espaços que podem ser desfrutados por toda a cidade.
A par das obras que concretizou, ‘Carrilho da Graça: Lisboa’ também recupera projetos que nunca saíram do papel. “As ideias são muito importantes na arquitetura. Não é só o betão armado. São os conceitos que nos vão permitindo ir transformando o mundo. A questão de estar construído é importante, mas não é decisiva. Às vezes, a arquitetura que fica na gaveta tem tanta importância como a que se constrói”, comenta.
As maquetes dos não realizados Pavilhão Multiusos (entretanto tornado Atlântico e, mais recentemente, Meo Arena), da extensão da Assembleia da República ou do plano utópico para o Campo Santana permitem-nos imaginar uma paisagem urbana diferente, mas acima de tudo mostram-nos como a construção de uma cidade pode ter múltiplas interpretações. A de João Luís Carrilho da Graça pode ser vista até 14 de fevereiro de 2016 no CCB e realça que, independentemente da cidade, o território é sempre quem mais ordena.