"Por um lado, estamos dentro de um sítio com muros, segurança militar e armada", mas "por outro, somos também um alvo", disse Elisabete Vilar, 41 anos, à Lusa, do espaço de onde ninguém sai.
"Não é por acaso que a maior parte dos jovens armados estão concentrados à volta desde recinto com pedras, granadas e tentam atacar viaturas que entram e saem, colocam pneus a arder e erguem barricadas", descreve.
A ONU e outras organizações não-governamentais que tentam reconstruir o país não têm escapado à onda de tumultos e quem ali trabalha não tem outro remédio senão tentar refugiar-se no edifício sede da ONU.
"Estamos aqui cerca de 200 pessoas, na maioria internacionais, uma grande parte funcionários das Nações Unidas, mas muitos também funcionários de organizações não-governamentais", para além de população vulnerável, descreve Elisabete Vilar que vai relatando o que lhe acontece na página pessoal da rede social Facebook, na Internet.
"Já somos umas quantas centenas de 'refugiados' e se durante a tarde pudemos estar num espaço a que chamam cantina, que é grande e agradável, agora tivemos de nos enfiar nuns contentores e deitar-nos no chão porque estão a chover tiros e granadas", escreveu na segunda-feira, quando foi recolhida em casa.
O mesmo dia em que teve que se proteger quando observava uma manifestação a partir do edifício e um grupo abriu fogo no meio do protesto.
Muitas das pessoas que têm chegado à sede desde sábado ficaram apenas com o que têm nos bolsos, outras nem tiveram tempo de ir a casa, pelo que troca-se de tudo, conforme as necessidades de cada um.
"Estou a apreciar este momento de solidariedade", escreveu Elisabete Vilar, depois de descrever que todos dormem no chão dos escritórios disponíveis.
À agência Lusa, a portuguesa desvaloriza a situação em que se encontra e diz que a principal preocupação deve recair sobre os residentes desprotegidos.
"Custa muito mais ver a população que está escondida a ter que dormir também no chão. Já sofreram muito mais e mereciam uma vida melhor. Não estão preparadas para viver nessas condições", referiu à Lusa.
"Não serei das primeiras pessoas a ser removida da RCA, mas também não ficarei para trás. Tenho uma organização que zela pela minha segurança e isso é coisa que a população daqui não tem", referiu.
As casas "começaram a ser atacadas e pilhadas inclusive em bairros onde isso já não era hábito há muitos meses, talvez há mais de um ano, portanto, algumas destas pessoas já não tinham as mesmas medidas de segurança mais restritivas e tinham aplicado antes. Estavam mais relaxadas", referiu.
"Desde sábado tenho visto muitas pessoas passarem com mochilas às costas, com carrinhos de mão com sacos de coisas, com comida, com roupa", haveres carregados "sobretudo por crianças e mulheres" que tentam afastar-se dos locais de conflito.
"Acho que é bastante lamentável porque as pessoas fazem bastante esforço para reconstruir as coisas, para tentarem voltar à vida normal depois de certos acontecimentos e quando parece que está tudo a ficar melhor, voltamos ao mesmo".
Desde sábado, pelo menos 37 pessoas foram mortas e mais de 100 ficaram feridas, propriedades privadas, edifícios religiosos e escritórios de organizações humanitárias internacionais foram pilhados, de acordo com a ONU.
O assassínio de um condutor muçulmano de uma motorizada-táxi no sábado foi o detonador desta nova onda de violência, habituais na capital centro africana nos últimos dois anos, e que desta vez já terão causado 27.400 deslocados.
Para os que se encontram no edifício sede da ONU ou haverá uma evacuação geral do espaço ou um regresso às casas onde moravam se a situação de segurança melhorar.
"Para o improviso que é, num recinto que não está preparado para acolher 200 pessoas a viver, acho que as coisas não estão muito más", refere Elisabete Vilar: "temos água para beber, temos comida. E temos papel higiénico, ainda".
Lusa/SOL