Boas e más surpresas

Vivemos numa época de muitas e rápidas transformações – científicas, tecnológicas, políticas, sociais, etc. Mas a nossa mente parece não se ter ainda adaptado a tal evolução: tendemos a julgar definitivo o que é apenas transitório. Por mim falo – o colapso do império soviético em 1980 surpreendeu-me, não o julgava possível tão cedo.

O escândalo VW é uma surpresa chocante. Antes, quase ninguém previu a crise financeira global desencadeada em 2007. Não a previram académicos, organizações internacionais, gestores e políticos.

Quando surgem bolhas especulativas – na bolsa, na habitação, etc. – a tendência predominante é acreditar que os preços irão indefinidamente continuar a subir. E aos avisos prudentes chamando a atenção para os perigos de uma tal situação, os interessados em que a bolha não rebente (como mais tarde ou mais cedo inevitavelmente acontecerá) têm uma resposta pronta: desta vez é diferente. Daí o título de um importante livro dos economistas norte-americanos Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff  (This time is different) publicado em 2011 e cobrindo oito séculos de loucura financeira em 66 países. 

Por outro lado, depois de anos a temer a expansão económica chinesa, agora preocupa o abrandamento do crescimento económico na China, como se aquelas taxas anuais de subida do PIB acima de 10% fossem algo perene. Também se pensava que os países ditos emergentes passariam a dar cartas na cena económica mundial, quando dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) só a Índia mantém hoje um crescimento razoável, segundo os seus próprios padrões. Afinal, a subida no preço das matérias-primas (cereais, petróleo, metais, etc.) não podia continuar para sempre.

Nos anos 80 do século XX predominava o receio da expansão económica japonesa. Os carros japoneses passaram então a dominar o mercado automóvel. E investidores japoneses quiseram comprar o Empire State Building em Nova York, causando um choque na opinião pública americana. Mas a partir dos anos 90 a economia japonesa entrou em deflação. O medo face ao poderio económico japonês desvaneceu-se. Agora receia-se a crise japonesa: depois de ter aliviado um pouco, voltou a deflação.

Também procuramos ignorar os efeitos das alterações demográficas. O envelhecimento da população, em Portugal e noutros países, ameaça financeiramente o Estado Providência. Vivendo até mais tarde, sobem os gastos na saúde; e como nascem poucos bebés, cada vez haverá menos trabalhadores no ativo a descontarem para as pensões de um número crescente de reformados.

Por vezes acontecem boas surpresas. Há vinte anos não faltava quem considerasse a agricultura portuguesa um setor condenado. Recentemente, porém, a agricultura começou a atrair jovens com preparação técnica. E embora ainda haja muito a melhorar nesta área, ela já contribui significativamente para o esforço exportador nacional.

O sucesso exportador português nos últimos anos também surpreendeu muita gente, depois de a maioria das empresas, tendo perdido competitividade e sem poder contar com uma desvalorização cambial, se acantonar no mercado interno. Mas com este mercado afetado pela austeridade, a necessidade aguçou o engenho…

Conviria ter presente o dito de Luís de Camões: ‘todo o mundo é composto de mudança’. E no século XVI a mudança era bem menor.