Como analisa o desempenho do turismo em Portugal?
Estamos num momento contraditório. Em números absolutos o volume de dinheiro entrado é alto e um recorde, mas na prática, em termos económicos, não é muito compensador. Ajuda a balança de pagamentos. Mas há confusão entre receita e resultado. Se se vender sapatos abaixo de custo, aumenta a receita da venda, mas perde-se dinheiro. Não é exatamente assim no turismo, mas, ao falar dos números não tem havido a preocupação de ver o seu efeito económico. Infelizmente, a ênfase na promoção do nível mais barato através da internet tem provocado uma certa baixa de preços generalizada. E apesar de haver um aumento de ocupação, estamos muito longe de solvência.
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É o ‘pai’ do projeto de Vilamoura, que foi vendido ao fundo Lone Star, e do resort Quinta do Lago, que está à venda. Como analisa estas movimentações?
Têm sido operações de oportunidade. Não tenho visto novas ofertas nem um movimento de mercado que justifique novos investimentos de volume. Não temos sabido aproveitar nem ter uma política clara em relação aos vistos dourados. Duzentos mil chineses compraram casas em Espanha, ainda que lá o limite seja 250 mil euros. Aqui são 1.000 chineses. Até em relação à corrupção, é preciso ter bom senso.
Como assim?
Uma coisa é a verdadeira corrupção e outra é facilitar processos de obter um visto. São coisas menores, que devem ser reprimidas, mas não de forma a afetar o mercado. [A investigação aos vistos] tinha de ser feita muito discretamente para não assustar o mercado. Como brasileiro, sei o que é não reprimir a corrupção.
Então o que é a verdadeira corrupção? E os casos BES, BPN, Operação Marquês?
O caso dos bancos é de roubo e de desonestidade, de apropriação indevida de bens dos outros e isso é outra coisa. Sempre achei que não havia grande corrupção em Portugal. Houve corrupção nas câmaras e merece ser reprimida. Mas muito do que se chama corrupção é as pessoas fazerem andar processos que são legais, mas que não andam. Portugal pode ser a tal Florida ou Califórnia da Europa. A partir daí, esse fluxo de capitais vai financiar áreas como a tecnologia, novos meios energéticos. Mas o volume tem de ser dado pelo turismo e pelo turismo residencial. Nos anos 50, a Espanha passou a ter uma população turística igual à sua população normal e entrou dinheiro que financiou o grande desenvolvimento espanhol. Penso que a médio prazo Espanha e Portugal vão transformar-se num país só. Vão sentir necessidade de se juntarem para reforçar a sua posição na União Europeia.
Isso contrariaria 900 anos de história. Seria uma unidade política, económica, social?
Há essa tendência, não estou a dizer que vai acontecer. Quando um banco espanhol [Santander], que tinha uma pequena posição em Portugal, chega ao topo por falha dos outros, é sinal de algo.
Após a intervenção troika, Portugal vai no bom caminho?
Quando era rapaz e vivia no Rio de Janeiro, havia uma brincadeira e dizíamos entre nós: «Estamos combinados que somos formidáveis». A Europa, Portugal e os políticos combinaram que o problema está resolvido. Não é bem verdade. Mexeram um pouco nas balizas para ajudar Portugal e para a Europa não se preocupar tanto. A dívida só interessa e só é grave para os bancos que emprestaram dinheiro.
Já afirmou que houve uma eutanásia financeira dos idosos.
Portugal é o melhor país do mundo para se ser pobre porque há solidariedade e humanidade entre os portugueses. Partilham a dor e isso atenuou. A pessoa com problemas não é castigada pela sociedade. Nas sociedades muito desenvolvidas, é. Isso vem do passado em que a maioria do povo português era pobre. Quando entrevistam pessoas na rua sobre o menor poder de compra, a resposta é sempre «temos de ir em frente». E acaba sempre com um sorriso.
O que vai acontecer nas eleições?
Não vejo diferenças grandes entre os três principais partidos. Ou melhor, temos dois partidos principais e um partido freelancer, que é o CDS, porque não tem um grande compromisso, nem partidário nem ideológico. É flexível. Estamos num processo menor que é a luta pelos lugares. Os partidos não querem unir-se porque terão de dividir os lugares. Não sou dos que acham que a reestruturação da dívida é um tabu terrível. Se a dívida for reestruturada e aliada a uma reforma do Estado bem programada, poderia acontecer naturalmente. Há uma situação muito mais grave que tudo isto que é o desemprego gerado pela tecnologia. É o maior problema que vamos encarar no futuro próximo. Cada aplicação nova, por mais banal que seja, gera logo desemprego. As selfies estão a tirar clientes aos fotógrafos. E veja o caso da Uber.
Já usou a Uber?
Usei uma vez, em Londres, com o meu filho Henrique, à saída de um restaurante. A vida dos taxistas é muito dura, mas vão ter de funcionar à base da internet, como a Uber, e entrar nas tecnologias. E a tecnologia vai ter de entrar na ordem. Esse é o papel do Estado.
Deve intervir?
Quando a tecnologia avança destrutivamente face aos empregos e ao equilíbrio económico e social, o Estado tem de intervir para regular o mercado.
Como se inverte a destruição de emprego?
Com ações ligadas ao altruísmo. Quem não tem emprego vai ter de ser empregado em serviços à comunidade. Digo isto de maneira genérica, mas os EUA, por exemplo, têm um sistema fiscal muito avançado no sentido de financiar a cultura, a educação. Quanto mais se aplica a financiar o altruísmo, menos impostos se paga. Esta sociedade pós-industrial não gera indústrias que criam milhares de empregos. Há 20 anos, o João de Deus Pinheiro disse-me que as pessoas não percebiam que a Segurança Social teria de ser refeita porque não era sustentável. Mas deixaram andar.
Será possível ter consenso político para reformar a segurança social?
Não se aplicam em arranjar. Se se juntarem todos… Na crise na Grécia, o presidente do Conselho Europeu chamou Merkel e Hollande e disse que não saíam da sala sem uma solução. E a solução apareceu. Nesses problemas insolúveis, é isso que tem de ser feito.
Quem devia fazer isso em Portugal?
O Presidente da República. A Constituição não pode ser uma cortina atrás da qual Cavaco Silva se esconde para não assumir responsabilidades. O povo quer que o Presidente interfira. Não que diga que a solução é esta ou aquela, mas que obrigue a encontrar soluções. Penso que nestas eleições vai haver uma subida bastante maior do BE do que as sondagens indicam. E que vai haver um empate, que obrigará a que se juntem.
Não parece possível que haja uma aliança a três.
Precisamos é de uma aliança a seis.
Esta entrevista foi publicada na edição impressa do SOL de 2 de outubro