2.Não há maioria de esquerda. O centro esquerda e a esquerda radical têm a maioria dos mandatos. Mas não existe no parlamento uma maioria de esquerda. Pretender o contrário é como querer somar 85 melões mais 19 rabanetes mais 18 shots de vodka mais um cão: simplesmente não se pode fazer, tão diferentes são as parcelas constitutivas dessa putativa adição. Dizer que o elo comum é a rejeição da austeridade não chega pois os termos dessa rejeição não são identicamente entendidos. O que se prende com essa recusa? Que não nos devemos preocupar com o défice das contas públicas? Que devemos pugnar ativamente pela renegociação da dívida pública? Que a despesa com saúde e educação deve aumentar financiada por impostos sobre os ‘ricos’ e a ‘banca e grandes empresas’? Que o Tratado Orçamental deve ser respeitado mas ajustando o ritmo de convergência? Ou, ainda, que devemos considerar e preparar a saída do euro?
3.E agora? António Costa está numa situação muito difícil. Alguns (muitos?) no PS estão certamente encantados com Corbynismo que sacode o trabalhismo inglês. Se predominar a linha que tem o fulcro na rejeição da austeridade, então poderíamos ter um governo PS ‘muito à esquerda’. Mas isto, por muito clarificador que pudesse ser, representaria o fim do próprio PS como o conhecemos – bastião da democracia liberal, atlantista e campeão da integração europeia. Seria também sol de pouca dura: alianças com partidos de protesto duram pouco e, em breve, teríamos novas eleições da qual resultaria certamente um governo maioritário do PSD/CDS. Como os partidos têm um instinto de autopreservação, certamente que o PS não quererá inviabilizar um governo minoritário PS/PSD, contrariando o que muitas vezes Costa sugeriu. Mas quererá fazê-lo simulando uma posição de força. Durante a campanha o próprio Costa deu sinais contraditórios: não obstante ter parecido muitas vezes seduzido pelos cantos da sereia radical, o seu programa económico elaborado por Mário Centeno tem muitas propostas que são boas e, também, de centro-direita. É nestas, precisamente, que reside a chave para um entendimento com a coligação que viabilize (pelo menos durante um par de anos) um governo minoritário.