Produzida por quase todo o Portugal, a produção de maçã assume particular importância e destaque num vasto território situado no Douro sul, local agreste onde a terra parece ter sido substituída pela penedia cinzenta deixando pouco espaço para o cultivo. Aquilino Ribeiro fala de “Terras do Demo”, território inóspito onde “nem Cristo nem El-Rei” passaram fazendo dele local onde o esquecimento encontra lugar. Apesar de tudo, os circunstancialismos geográficos tão pouco acolhedores para os humanos fizeram daquele lugar um território ideal para a produção da maçã. As características geográficas relacionadas com o tipo de solo e o tipo de clima, com verões muito quentes e secos e invernos muito frios e rigorosos deram àquele lugar propriedades privilegiadas para uma economia centrada numa produção em grande escala de vários tipos de maçãs.
De facto, a centralidade da maçã nas economias de vários concelhos do Douro sul como Moimenta da Beira, Armamar, Lamego, Tarouca, Sernancelhe, Tabuaço, Penedono e S. João da Pesqueira, levou à constituição de uma Associação de Fruticultores da Beira Távora, instituição que dá apoio aos fruticultores da região na produção.
É no seio desta organização que surge a Confraria Gastronómica da Maçã Portuguesa criada com o intuito de valorizar o produto e as suas diversas utilizações. Por isso, desde 2008, os confrades, que simbolicamente trajam de verde, fazem a promoção das várias maneiras de comer maçã para além do fruto. Em compotas, puré, torta, geleia, bolo, em iogurte, cozida, assada, desidratada, como entrada, como acompanhamento de carnes ou como sobremesa, não faltam, segundo os confrades desta confraria utilizações para o fruto da maçã. São estes confrades que fazem uma excelente promoção da riqueza, quer nutricional, quer culinária, quer terapêutica ou profilática deste fruto considerado um dos mais antigos. Na verdade, tão antigo que é erradamente considerada o fruto proibido que Adão e Eva ousam experimentar no Jardim do Paraíso.
Na região Douro sul, enquadrando os rios Távora e Varosa, acolhidos por um clima de extremos as promissoras macieiras florescem na primavera e dão fruto no outono de várias qualidades de maçã, autóctones como a famosa Bravo de Esmolfe ou as menos conhecidas Costa, Espriega Portuguesa, Pardo Lindo e Malapio de Gouveia. Nas qualidades universais, por aquelas terras se produz boa maçã das variedade Golden, Gala, Starking, Jonagold, Granny Smith, Jonagored, Fuji e Reinetas.
A devoção, a entrega e o esforço dos confrades da Confraria Gastronómica da Maçã Portuguesa fazem com que cada cerimónia capitular seja um hino àquele fruto e à região que lhe dá suporte. É, por isso, um momento para perceber melhor os ciclos de produção da maçã e a forma como hoje ela é potenciada na fruticultura nacional.
Também a maçã pode ser o convite para visitar uma região ocupada desde tempos pré-históricos cuja importância ao longo dos séculos se veio a revelar. Registos como dolméns, menires ou orcas abundam por este território podendo motivar uma visita para melhor conhecimento dos nossos antepassados do tempo do Megalítico. Os Santuários da Lapa, Nossa Senhora dos Remédios, em Lamego; os Mosteiros de São João de Tarouca e Salzedas; Ponte da Ucanha; e o Castelo de Penedono, permitem recuar no tempo e usufruir de um Portugal centrado no poder régio e religioso.
Em terra de boa e variada maçã, encanta a paisagem, ainda que agreste, desafiadora dos limites do homem. Foi isso que o homem fez, soube superar a natureza apurando as variedades, sublimando a produção, apostando na comercialização e tornando aquele local num dos centros de maior produção nacional. Foram os homens que lutaram para criar acessibilidades e os fruticultores altamente capacitados que trabalharam para serem reconhecidos pela sua produção diferenciadora. E, hoje, quando por ali passamos não vemos as “Terras do Demo” perdidas no esquecimento do desenvolvimento, vemos sim a vontade e o esforço dos homens e mulheres que acreditaram na singularidade do seu território e o souberam fazer valer no contexto nacional. Hoje, ao passar por ali, sentimos o desafio constante de um povo que soube impor-se pelo seu trabalho e pelos seus produtos rumo à conquista da felicidade. A Confraria Gastronómica da Maçã Portuguesa sabe respeitar a herança dos seus antepassados e, por isso, faz a defesa da maçã e também de toda a cultura e história da região, dando a esta uma suculência e um aroma só visíveis e experienciáveis por quem compreende o apego natural e irrepreensível à terra que nos deu à luz.
*Presidente das Confrarias Gastronómicas Portuguesas