Depois de múltiplas ações de protesto nos últimos dez meses e de várias ações judiciais movidas por antigos clientes do Banco Espírito Santo (BES), o Novo Banco avançou com um processo em tribunal contra os lesados.
Ana Bela Rodrigues, 46 anos e desempregada, é a primeira cliente lesada constituída arguida pelo banco liderado por Eduardo Stock da Cunha. Investiu aos balcões do BES em papel comercial da Rioforte, uma das empresas do Grupo Espírito Santo (GES). Está há 99 dias em vigília na sede do Novo Banco, em Lisboa. No total, já contabiliza quase 700 horas em “protesto silencioso”.
Esta semana, ficou a saber que “os gestores do banco afinal cumprem as suas promessas”, diz com ironia, em declarações ao SOL. No início do verão, o Novo Banco reprovou os comportamentos de lesados nas várias manifestações à porta da instituição e avisou que pretendia acionar meios legais. Mais de três meses depois, “a instituição concretizou a ameaça”.
No passado dia 9 de outubro, Ana Bela Rodrigues foi notificada da ação judicial interposta pelo Novo Banco. Esta quarta-feira, dia 14, foi chamada para um interrogatório na Guarda Nacional Republicana (GNR), no posto do Cadaval, a sua zona de residência. Foi constituída arguida e responde por “ofensas verbais a três colaboradores do Novo Banco”.
É a primeira cliente arguida sujeita à medida de coação menos gravosa, o termo de identidade e residência. Não pode mudar de residência nem ausentar-se por mais de cinco dias sem comunicar às autoridades. E é obrigada a comparecer perante as autoridades sempre que a lei a obrigar ou para tal for notificada.
Nos primeiros dias de vigília junto ao Novo Banco, Ana Bela tinha a companhia de um outro lesado, Paulo Campos. Entretanto, ficou sozinha no número 195 da Avenida da Liberdade, ostentando o título de “lesada em vigília permanente”, em representação dos cerca de 2.500 clientes que aguardam uma solução para o reembolso do papel comercial. Segundo apurou o SOL, também Paulo Campos é alvo da mesma ação judicial, mas ainda não foi notificado.
Processo judicial não impede novas manifestações
Todos os dias entram nos tribunais múltiplos procedimentos, ações ou execuções envolvendo o Novo Banco. Um grande número de processos foi intentado por clientes do papel comercial, individual ou coletivamente. Mas, segundo a Associação de Lesados e Indignados do Papel Comercial (AIEPC), esta é a primeira ação interposta pelo Novo Banco contra lesados. “Não vamos amedrontar-nos ou abandonar a reivindicação até a situação estar resolvida”, garante Ricardo Ângelo, presidente da AIEPC.
Ter sido constituída arguida não demoveu Ana Bela de prosseguir a sua missão diária: “Voltei para a porta da sede do Novo Banco. Não vou desistir do meu protesto enquanto não me devolverem o meu dinheiro”.
O auto de constituição de arguido, a que o SOL teve acesso, mostra que Ana Bela Rodrigues optou pelo silêncio durante o interrogatório da GNR, não tendo prestado qualquer esclarecimento sobre os factos que lhe imputam e recusando-se a falar da sua situação socioeconómica.
“Não respondi porque a ação judicial diz respeito a protestos com centenas de lesados, incluindo emigrantes, à porta do banco e não à minha vigília diária. Não provoquei qualquer incidente, mas como os gestores e funcionários do banco já me conhecem e sabem o meu nome, eu sou o alvo do processo”, explica.
Ana Bela Rodrigues e Paulo Campos tornaram-se dois rostos mediáticos dos clientes lesados, não só pela vigília como também por marcarem presença na linha da frente das sucessivas manifestações.
Ana Bela considera que esta primeira ação é apenas uma tentativa de o Novo Banco “assustar” os clientes e “travar novos protestos”, mas arrisca dizer que a instituição não terá sucesso. Uma tese corroborada por Ricardo Ângelo, que já está a preparar mais uma mobilização. Ainda com data a definir, os lesados vão manifestar-se no local da tomada de posse do novo Governo.
Ameaças desde maio
O SOL contactou o Novo Banco, mas até ao fecho desta edição não obteve resposta. Em maio, a instituição alertava que poderia vir a “adotar as medidas legais” que se mostrassem adequadas, para além de “continuar a apoiar, sem restrições, os seus colaboradores, nomeadamente os que são ameaçados”. Em comunicado, a conselho de administração do Novo Banco considerava que as pessoas lesadas estavam a “agir fora do quadro da lei”, considerando as iniciativas “ilegítimas”.
Já em junho, e com os clientes cada vez mais impacientes, os protestos ganharam maior proporção e o banco de transição voltou a lastimar os acontecimentos, adotando um discurso mais assertivo “O Novo Banco vai exigir, por todos os meios legais, o apuramento das responsabilidades, que estão devidamente documentadas, junto dos mandantes e executantes das agressões verbais e físicas praticadas, incluindo os membros dos órgãos sociais da Associação”.
Para Ana Bela, a ação do Novo Banco poderá exaltar ainda mais os ânimos dos lesados em futuros protestos, o que põe em causa a paz social – condição importante para o sucesso do segundo processo de venda da instituição.