Já passam das 16:00 e a fome pesa na barriga de Luís, que observa um Mercedes, topo de gama, como muitos que circulam pela cidade, nem sempre sinal de boa gorjeta. Está na rua desde as 07:00 e não fez qualquer refeição.
"Ainda", atira, naquela forma habitual de o angolano dizer que não.
"Só um 'mata-bicho'. Ontem sim, jantei arroz", conta à Lusa, na sua "zona de trabalho", na baixa de Luanda, onde pede uns trocos a troco de quase nada. "Ajudo a estacionar os carros com os meus amigos. No fim do dia dividimos tudo, para poder comprar comida, roupa, cortar o nosso cabelo", explica, ao lado de hotéis de luxo onde uma dormida pode custar 1.000 euros.
Entretanto, soma os 500 kwanzas (três euros) que arranjou durante o dia e que vai ter de dividir com os colegas, mais novos e mais velhos.
"Pedimos aqui e ali. Na zona do hotel dão mais um bocado", diz, no seu jeito envergonhado, que contrasta com o rápido desenrasque na hora de pedir "qualquer coisa" aos "padrinhos", como estes rapazes chamam a todos que abordam na rua.
Luís Francisco Manuel dorme num barraco improvisado com chapas, mesmo no centro da Luanda antiga, considerada a cidade mais cara do mundo devido ao petróleo, pelo crescimento que a exportação de crude trouxe à economia nacional e pelo poder de compra que a mão-de-obra expatriada representou para a realidade local.
Apesar da crise atual, alugar um apartamento no centro da cidade fica sempre acima de 2.000 euros por mês e o limite só depende do luxo.
Nascido e criado pelas ruas de Luanda, luxo é algo que Luís não percebe. A idade, por outro lado, é das poucas coisas a que responde sem hesitar: "Faço 16 anos a 10 de dezembro", afirma, mas sem conseguir comprovar.
Não tem bilhete de identidade, não vai à escola e deixou de ver a família. É como se não existisse. "Gostava de ir a casa, mas também gosto de estar aqui. Fico à vontade, ninguém me complica, ninguém me incomoda", conta, cabisbaixo.
Num terreno descampado, a 1.000 metros do único hotel de cinco estrelas da cidade, partilha o espaço — mas também o lixo de semanas ali acumulado e um cheiro desconcertante – com colegas, desde que "há dois ou três anos" deixou a casa dos pais e os três irmãos.
Não se lembra bem quando foi, apenas o porquê: as confusões com o pai. "Fico aborrecido, só me dava vontade de sair fora de casa, de ficar com os meus amigos", confessa, ao mesmo tempo que também diz sentir-se "bem" na rua.
No segundo maior produtor da África subsaariana, o peso do petróleo na economia angolana está sempre presente em tudo, mesmo que de pouco sirva aos mais de nove milhões de angolanos que se estima ainda viverem na pobreza (taxa de pobreza de 36,7% em 2015, mas era de 57,6% em 2011).
Luís passa várias vezes ao lado da loja da Porsche em Luanda, mas nem perde muito tempo a olhar.
No interior, o funcionário explica à Lusa comercializam agora o modelo Macan, numa média superior a um por mês no último ano. Cada um custa sempre acima de 115 mil dólares (100 mil euros) e apesar do estado de conservação das estradas locais, não fosse o problema da falta de divisas, mais seriam vendidos.
"Não nos vendem à consignação. Temos de pagar [transferir, em dólares, para o exterior] primeiro", explica o funcionário.
Mais acima, uma dormida num dos vários hotéis (quatro e cinco estrelas), facilmente custa entre os 1.000 e os 3.000 euros, por noite. Ao lado, um bom almoço ou jantar, nos restaurantes que nascem por todo o lado, são necessários pelo menos 50 dólares.
A refeição pode no entanto facilmente ultrapassar as centenas de dólares, dependendo apenas da carteira, o que nem sempre é um problema ou não existissem mais de 4.900 milionários na cidade (mais de um milhão de dólares), segundo um estudo recente da AfrAsia Bank New World Wealth Report, que revela que as fortunas dos milionários luandenses valem três por cento do total do continente africano.
O petróleo dita tudo em Angola e em 15 anos de vida Luís já percebeu a sua importância. Mal sabe ler ou escrever e apesar de nem sequer ir à escola, alimenta um sonho: "Quero ser engenheiro de Petróleos".
Lusa/SOL