Húbris ou bluff

Confesso que não estou seguro de entender a estratégia de António Costa. A estratégia de negociação de um Governo com o apoio da extrema–esquerda parlamentar parece, cada vez mais, estar a ser levada a sério pelo PS e também pelo PCP e pelo BE. 

Se tiver sucesso, o país terá o Governo mais à esquerda desde o 25 de novembro de 1975. E António Costa terá, assim, transformado uma derrota eleitoral numa vitória. Mais importante para ele, terá ganhado um lugar na história como o líder que reuniu a esquerda e enterrou os entendimentos forjados nas barricadas democráticas dos anos do PREC. O PS, pela sua mão, terá finalmente ‘matado o pai’.

Estou convencido de que esta solução, por muito que satisfaça o orgulho de António Costa, abastarda os resultados das eleições. Em primeiro lugar, a muitos dos votantes no PS não passaria pela cabeça uma aliança tão contranatura. Quem pode garantir que, se de tal suspeitassem, não teriam votado na coligação? Abastarda os resultados eleitorais ainda porque o programa económico socialista, a joia da coroa da sua campanha eleitoral, jamais poderá ser apoiado honestamente por PCP e BE (não obstante a constante presença de Mário Centeno ao lado esquerdo do líder). Apesar de tudo isto, que estou seguro Cavaco Silva avalia identicamente, não restará ao Presidente outra alternativa que não seja empossar Costa como primeiro-ministro se este lhe apresentar um acordo minimamente sólido com PCP e BE.

Esta solução é muito má para Portugal. Em primeiro lugar não trará estabilidade. O PCP e o BE são partidos de protesto e revolucionários, para quem a legitimidade governativa não vem (só? sobretudo?) do voto, mas que tem se ser constantemente referendada nas ruas. Em segundo, reforçará os poderes fácticos que ao longo de 40 anos sucessivos Governos (muitos do PS) se têm esforçado por erradicar, e que constituem um verdadeiro bastião de interesses instalados e de obstáculos ao progresso.

Por exemplo, alguém duvidará que Mário Nogueira será, de facto, o ministro da Educação? Alguém duvidará que os modestos progressos na liberalização de despedimentos serão revertidos e que, com isto, Portugal voltará a proteger aqueles que têm emprego, fechando mais as portas àqueles que ainda o não têm? Alguém duvidará que assistiremos a um aumento das ações grevistas, beneficiando todos os que trabalham em setores protegidos da concorrência em desfavor da generalidade da população? Alguém duvidará que a administração pública voltará a engordar? Alguém duvidará que entraremos numa guerrilha constante, à grega, com os parceiros europeus? Alguém duvidará que os juros aumentarão? Quando a experiência esquerdista acabar, Portugal será um país mais dependente do Estado, menos amigo da iniciativa e menos capaz de gerar riqueza. E o PS estará destroçado, canibalizado à esquerda e à direita. Este é um autêntico cenário de pesadelo, mau de mais para ser verdade. Resta-me a esperança de que António Costa seja um excelente jogador de póquer e que esteja, na realidade, a tentar obter o melhor acordo possível com a coligação. Os valores em jogo são tão altos que seria bom que a coligação manifestasse a maior abertura ao PS. Como tenho dito, o programa económico socialista tem muito que pode ser aproveitado. Mas é preciso de Costa queira.

PS: O corpo desde artigo foi escrito antes da reunião no Rato na tarde do dia 13 entre a coligação e o PS. Ouvindo as declarações de Costa no final da (inconclusiva) reunião, fiquei com muito menos dúvidas de que a sua postura é a de quem julga que as eleições deram a maioria a uma ‘plataforma anti-austeridade’ e de que ele a pode liderar. Estamos metidos num grande sarilho!