Apesar de nunca falar directamente do pleno acesso ao sacramento da comunhão, actualmente vedado aos divorciados que voltaram a casar civilmente, o documento propõe um caminho de discernimento para estes casais. Este deve passar por um profundo exame de consciência sobre a forma como viveram a crise conjugal e trataram os filhos neste processo, por uma análise sobre se houve tentativas de reconciliação, qual a situação do cônjuge que foi abandonado e quais as consequências da nova união no contexto da família e da comunidade.
O tema mais polémico e que mais divisão registou ao longo das três semanas do sínodo, será agora resolvido pelo Papa, a quem os bispos e cardeais pedem que publique um documento final e global sobre a Família, com orientações claras e concretas sobre o que fazer.
Francisco congratulou-se ontem pela forma como correram os trabalhos do Sínodo, que começou já em 2013, e incluiu uma consulta mundial aos fiéis, que puderam expressar a sua opinião, transmitindo a Roma uma visão global e concreta da realidade da Igreja. Foi um sinal de «vitalidade da Igreja Católica» que, diz o Papa, foi capaz de analisar os temas, «sem cair na fácil repetição do que é indiscutível ou já se disse». Francisco sublinhou ainda que foi a prova de que a Igreja «não tem medo de abalar as consciências anestesiadas ou sujar as mãos discutindo, animada e francamente, sobre a família».
Francisco criticou os que julgam «com superioridade» as «famílias feridas»
No seu discurso de encerramento, o chefe máximo dos católicos sublinhou que o Sínodo não esgotou a análise de todos os temas inerentes à família, nem encontrou «soluções exaustivas para todas as dificuldades e dúvidas que desafiam e ameaçam a família», mas soube debater os temas «sem medo e sem esconder a cabeça na areia».
Mas nas palavras finais, o Papa também não poupou críticas: aos que, «com um coração fechado», optam por «julgar, às vezes com superioridade e superficialidade, os casos difíceis e as famílias feridas». Francisco referiu-se ainda aos defensores da doutrina, que tanto se opuseram à reavaliação da situação dos casais que vivem em situações irregulares: «os verdadeiros defensores da doutrina não são os que defendem a letra, mas o espírito; não as ideias, mas o homem; não as fórmulas, mas a gratuidade do amor de Deus e do seu perdão», disse. O pontífice argentino lembrou ainda que a «Igreja é Igreja dos pobres em espírito e dos pecadores à procura do perdão e não apenas dos justos e dos santos, ou melhor dos justos e dos santos quando se sentem pobres e pecadores».
Das palavras do Papa ficou também um recado para os que, com medo que o sínodo pusesse em causa dos dogmas da Igreja, se opuseram à sua dinâmica de funcionamento, recorrendo a «métodos não totalmente benévolos».
Mais preparação e acompanhamento aos casais novos e em dificuldades
O documento foi aprovado por unanimidade pelos 265 padres sinodais que pedem agora ao Papa que publique um documento orientador, onde diga qual o caminho que a Igreja Católica deve seguir.
No relatório final, os representantes da Igreja de todo o mundo acordaram ainda o reforço da preparação e formação para o matrimónio, que deve começar na família, em idade remota, e depois ser complementado por uma catequese pré-matrimonial e por uma preparação antes da celebração do casamento. «O Matrimónio cristão não se pode reduzir a uma tradição cultural ou a uma simples convenção jurídica: é um verdadeiro chamamento de Deus que exige discernimento atento, oração constante e amadurecimento adequado», sublinha um dos pontos do documento.
Os casais mais velhos são também chamados a ter um papel importante neste processo, e o sínodo pede às comunidades que saibam acompanhar os noivos nos primeiros anos da vida matrimonial. Para ajudar as famílias neste período «vital e delicado», as comunidades devem contar com o apoio de especialistas e associações que trabalham nesta área. Às paróquias é também pedido que ajudem as famílias em situações de emergência, por exemplo, em casos de violência doméstica ou abusos sexuais.
Cardeais criticam sistemas económicos que agravam pobreza
O relatório final aprovado ontem contesta também as políticas e os sistemas económicos que são contrários às famílias, em particular as que vivem em situações de pobreza e exclusão.
“A hegemonia crescente da lógica do mercado, que mortifica os espaços e os tempos de uma verdadeira vida familiar, concorre para agravar discriminações, pobrezas, exclusões e violência», lê-se no documento que foi agora entregue ao Papa. O texto refere-se ainda aos problemas ligados à solidão, à precariedade e às formas de «exclusão social» provocadas pelo atual sistema económico, em particular no que se refere ao desemprego juvenil.
Além de apontarem críticas aos sistemas políticos que não têm em conta o projecto familiar, e promovem uma «mentalidade contraceptiva e abortista», os padres sinodais apelam ainda aos católicos com funções políticas que lutem pela «defesa da vida e da família», a «liberdade de educação e religiosa», bem como pela «harmonização entre o tempo para o trabalho e a família».
rita.carvalho@sol.pt