Produzido por José Padilha – realizador brasileiro aclamado por Tropa de Elite -, a série sensação deste ano da Netflix conta a história do traficante de droga que, um dia, ambicionou ser Presidente da Colômbia (e quase conseguiu), chegou a controlar 80% do tráfico de cocaína mundial e figurou na lista da Forbes como um dos dez homens mais ricos do planeta. Aos 28 anos, Escobar tinha tantos zeros na sua conta bancária, como revela o trailer da série, que nem a mais habilidosa lavagem de dinheiro conseguia justificar a fortuna.
Antes de exportar cocaína para os Estados Unidos, Escobar já estava identificado pelas autoridades por contrabandear cigarros, bilhetes de lotaria falsos e carros roubados. E, nessa altura, em 1979, já imperava a sua política implacável: ‘plata o plomo’ (‘prata ou chumbo’). Quem facilitasse os seus negócios, deixando-se subornar, era recompensado com generosas quantias; por sua vez, quem lhe fizesse frente era assassinado, como aconteceu a muitos políticos, juízes e polícias.
Mas se a imagem pública de Escobar era a de terror, a população de Medellín (onde viveu até começar a ser procurado pela polícia) diz que, na intimidade, o traficante era um ótimo pai e marido, generoso com os mais necessitados e defensor de ideias concretas para a Colômbia como, por exemplo, a legalização do narcotráfico, com as vendas a serem taxadas pesadamente pelo Estado e, assim, gerarem receita para o país. Foi esta “complexidade” que Wagner Moura perseguiu numa interpretação que tem sido bastante elogiada, mesmo por quem critica o seu espanhol ‘abrasileirado’.
Para criar a personagem, o ator foi viver para Medellín cinco meses antes de as filmagens começarem e de, inclusive, o seu nome ser apresentado à Netflix. “Era a pessoa mais improvável para o papel. Sou brasileiro, não falava espanhol, era muito magro”, contou o ator (que engordou 20 quilos) nas inúmeras entrevistas que deu por ocasião da apresentação da série em agosto, no Rio de Janeiro, num evento digno de Hollywood, com passadeira vermelha e a presença de jornalistas do mundo inteiro. Wagner Moura tornou-se a pessoa mais provável graças a Padilha, com quem já tinha trabalhado em Tropa de Elite e que, desde então, “tem sempre um lugar” para si “em qualquer projeto que assina”. Especialmente em Narcos, que segundo o ator é “o trabalho mais próximo de Tropa que Padilha já fez, naquele registo meio documental”.
Logo no primeiro episódio confirmam-se as dificuldades de pronúncia de Wagner Moura (que filmou o início da série com um professor de espanhol através de um auricular), mas a intensidade da sua interpretação, sempre tensa e belicosa, ultrapassam quaisquer erros linguísticos. E até os colombianos, que reagiram mal à ideia de um brasileiro interpretar Escobar, acabaram por se render. “É preciso entender que a série é internacional. A história é bem contada. Se alguém vê em Inglaterra ou em Itália, o sotaque não é um problema”, comentou com a Folha de S. Paulo Germán Yances, ex-crítico de televisão dos jornais El Tiempo e El Espectador, revelando que superou a “barreira linguística” de Wagner Moura no segundo episódio.
Na realidade, o sotaque é uma falsa questão em Narcos, uma vez que o elenco conta com atores com as mais diversas formas de falar espanhol. Pedro Pascal é chileno, Paulina Gaitán é mexicana, Alberto Ammann é argentino, Juan Pablo Raba é colombiano, mas cresceu em Espanha. E, como Yances previu, a questão de pronúncia não beliscou em nada a aceitação da série fora da Colômbia. O crítico de televisão Patrick Smith, do britânico Telegraph, diz que a prestação de Wagner Moura é o “coração” de Narcos, uma série que, tal como a cocaína, é “devastadoramente viciante”. A julgar pela reação dos 69 milhões de assinantes da Netflix em todo o mundo parece bem que sim.