Por que se uniu a esquerda?

Muitos portugueses julgam estar a viver um sonho. «Mas vamos ter mesmo um Governo de esquerda?», perguntam-me aqui e ali, incrédulos. Respondo que sim. «Mas como é possível eles entenderem-se?».

A Frente de Esquerda teve uma primeira motivação: ‘correr’ com a coligação de direita. Mas, depois deste primeiro impulso, os três partidos começaram a ver que podiam tirar daí benefícios.

O interesse do líder do PS, António Costa, é óbvio. Depois de ter ‘corrido’ com Seguro, restava-lhe conseguir chegar a primeiro-ministro. Caso contrário, sairia humilhado. Então, logo na noite de derrota começou a fazer contas e a ver que passos podia dar para chegar ao Governo. E a partir daí entrou em fuga para frente.

E por que razão os socialistas o seguiram?

Uns por interesse, outros por oportunismo e outros por cobardia. Quando começou a cheirar a poder, muitos socialistas começaram a deitar contas à vida. Uns pensaram que podiam chegar a administradores de empresas públicas, outros a diretores-gerais, outros ainda a chefes deste ou daquele departamento ou a diretores da biblioteca ou do centro cultural lá da terra.

E quando estes movimentos se iniciam são imparáveis. Francisco Assis é um D. Quixote odiado hoje por muitos militantes socialistas que já só pensam no que podem ganhar na nova situação.

O Bloco de Esquerda é um caso diferente. Percebe que, atraindo o PS para a sua área política, melhor o pode combater. Com a Frente de Esquerda, o Partido Socialista abandona o centro político e passa a disputar com os partidos de esquerda o mesmo eleitorado. Ora, esquerda por esquerda, muitos eleitores preferirão no futuro o BE ao PS. É mais fiável. O BE pensa, pois, que poderá crescer à custa do PS, tornando-se numa espécie de Syriza português.

E o PCP? Para o PCP, esta Frente é uma boia de salvação. Tendo sido ultrapassado pelo BE, o Partido Comunista estava em risco de se tornar irrelevante. Ora, integrando uma plataforma de Governo, o PCP volta a ser influente e a condicionar a evolução política.

E aqui temos por que a esquerda de uniu. É uma união frágil, o BE e o PCP vão sempre tentar encostar o PS à parede, para mostrarem que «o PS é de direita», como sempre disseram, esvaziando-o o mais possível.

Depois, há a própria competição entre o BE e o PCP pela liderança da «verdadeira esquerda».

E finalmente há o PS que vai ser arrastado porque não quer ficar na posição de mau da fita. Quando não puder ceder mais, a coligação romper-se-á. Mas Costa vai fazer tudo para isso acontecer o mais tarde possível, porque sabe que no dia seguinte a sua carreira política acabou.           

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