Mesmo sem o dizer, já tínhamos dado conta disso, nas inúmeras vezes em que pediu para que lhe subissem a voz ou alterassem o reverb. Mas, na realidade, o que isso interessa em Cat Power? Temos quase a certeza de que se o sistema fosse diferente, a cantora implicaria com outro pormenor. A sensação de que, a qualquer momento, algo pode correr mal é iminente nas suas atuações, mas não é por isso que a autora de ‘The Greatest’ deixa de encher salas. Mesmo quando a sua vulnerabilidade (sempre exposta) atinge picos injustificados (como aconteceu ontem), não há como negar que Chan Marshall, 43 anos, é uma das intérpretes mais abençoadas da sua geração.
A noite no CCB valeu por isso. Com a mão à volta do microfone, procurando aflitivamente controlar a forma como a voz era ampliada para a sala, Cat Power mostrou que continua a ser uma cantora excecional e que se nos concentrarmos no seu timbre, sempre intenso e em ebulição, é fácil deixarmo-nos enfeitiçar. Foi o que aconteceu, por exemplo, com as belíssimas ‘Hate’, ‘Names’ ou ‘I Don't Blame You’, com a artista poderosíssima ao piano, ou com as versões de ‘Satisfaction’ (Rolling Stones), ‘Can I Get a Witness’ (Marvin Gaye) ou ‘He's a Mighty Good Leader’ (Beck), e que deverá repetir no concerto de hoje à noite, no Porto, no Hard Club.
Para o fim guardou ‘Moonshiner’, na frente do palco, à capela, uma brincadeira em francês, escrita num dia em que passou muita fome em Paris, e um curto monólogo sobre querer salvar o mundo, mas não saber como o fazer quando vê imagens como a do menino sírio afogado numa praia da Turquia. “O que é que estamos aqui a fazer, a sério?”, questionou, confessando sentir-se perdida no meio de tanta loucura. Sim, porque perante toda a insanidade que se passa no mundo, a sua até é bastante lúcida.