Marçal Grilo: ‘Governo de esquerda tem uma probabilidade baixa de correr bem’

Eduardo Marçal Grilo, 73 anos, aceitou ser mandatário nacional de Maria de Belém. Não deixa de ser surpreendente; têm sido raras as suas aparições na política, nesta entrevista explica as razões do silêncio e agora do seu compromisso. Aproveitámos para saber a sua opinião sobre os dias que têm abalado a democracia portuguesa. Independente de…

Aceitou ser mandatário da candidatura presidencial de Maria de Belém por convicção política ou amizade? 

Acho que por um misto das duas. Tenho uma enorme consideração por ela; sabe estar na política, é autónoma e com uma formação de base muito sólida. Conheci Maria de Belém no Governo de que ambos fizemos parte, fiquei com admiração pela sua postura. Depois, é de um trato muito fácil, é solidária, conhece bem o país e as pessoas. Tem uma grande preocupação com os outros.

E não tem dúvidas de que é a melhor entre todos os candidatos à presidência. 

Aceitei ser mandatário de Maria de Belém sem qualquer hesitação. Precisamos de um Presidente que una os portugueses. O país continua a ser frágil nas suas instituições e falta-nos uma visão de futuro, uma visão mobilizadora que trave esta divisão e crispação que hoje vivemos. Há falta de diálogo, uma ausência de compromissos, é um tempo muito difícil. 

Que o preocupa…

Que me preocupa e entristece. 

Talvez tenhamos o paralelo das eleições presidenciais de 1986. O país esteve partido em dois blocos.

Mas Mário Soares teve a arte política de unir os portugueses, é um dos seus grandes legados. Quando um Presidente da República o consegue fazer, isso permite-lhe ser uma referência para os mais variados setores sociais e económicos. Acho que Maria de Belém encaixa no perfil, não esconde que é do PS mas é independente de espírito. Importante, isso. Para mim, um independente de sempre, é fundamental. 

Os partidos não costumam tolerar essa independência. 

Confundimos bastas vezes independência com neutralidade. Eu sou independente, mas não sou neutro. Votei em partidos diferentes e já votei em branco. Não tomo posições políticas nas presidenciais desde Jorge Sampaio, abri agora uma exceção. Não sou um homem que goste de interferir na política, a política é para os políticos, para profissionais da política. A minha incursão durou quatros anos, fui ministro de António Guterres, mais nada. 

Como define o papel de Cavaco Silva enquanto Presidente da República?

Não gostaria de falar sobre Cavaco Silva, fez coisas boas e más, coisas que aplaudi e outras que não tanto. Em relação à sua intervenção da passada semana, não creio que o Presidente tenha sido particularmente feliz. No fundo, acabou por alimentar na vida política um confronto e uma divisão que não é útil para o país. A intervenção permitiu também a união interna do PS, acelerou o processo de negociação à esquerda, não agradou a vários setores da direita e promoveu um fogo cruzado que é altamente indesejável. Triste e preocupado, insisto em dizer-lhe. 

Concorda que o timing da marcação de eleições foi um erro político do Presidente?

Absolutamente. Foi um erro, como se verificou. Estamos aflitos porque não temos orçamento, Bruxelas pressiona-nos e nem sequer sabemos que governo governará. Era previsível que não existisse uma maioria absoluta, todas as sondagens o diziam, teria de existir um compromisso.

E não existe compromisso sem diálogo.

Pois. Quem é o culpado? Bem, não estou interessado nisso, em procurar o mais culpado, mas o certo é que quaisquer que venham a ser as soluções nos próximos tempos, por muitas voltas que se dê, são todas más. Não há nenhuma solução boa.

Foi surpreendido por António Costa?

Fui surpreendido com esta hipótese de um governo de esquerda, não a imaginara desta forma. Aceito muito as conversões e as mudanças na orientação dos partidos, mas ninguém acredita numa conversão tão rápida do PCP e do Bloco. Repare, Paulo Portas, em 1995, era contra a Europa e agora é um europeísta feroz. E não tem mal nenhum, mudou. Mas mudou ao longo de três anos, não entre domingo e quarta-feira. 

E Portas tem um perfil diferente. 

Completamente diferente. Eu não estou a dizer que o PS não deva governar com apoio à sua esquerda, o que digo é que um governo destes tem uma probabilidade de singrar muito baixa. E se é baixa é um risco para o país. Como é que a economia se desenvolve, como é que a banca se reforça e consolida ou como nos relacionaremos com os credores e os parceiros europeus? 

Falou da banca, um setor muito fragilizado.

Sim, a nossa banca precisa de ganhar robustez e confiança. No estado em que está, e com a incrível derrocada do BES, tudo tem de ser tratado com pinças sob pena de agravar o que não pode ser agravado. Há aqui uma necessidade, volto ao tema, de visão de futuro. E o que se discute é a tomada do poder, é o problema de quem ocupa o poder, quem vai para o Governo. Isso interessa-me pouco.  

Mas qual seria a solução menos má? 

Muito difícil. Vamos imaginar um governo minoritário da coligação de direita que o PS deixa passar no Parlamento. Um cenário possível mas difícil porque implica que Passos Coelho, que foi primeiro-ministro numa maioria absoluta, tivesse de governar de uma maneira diferente. É uma solução altamente conflitual pois não me parece que haja condições para algo de parecido ao que enfrentou António Guterres.

No governo de que fez parte.

O Governo de que fiz parte era minoritário, um Governo que soube fazer compromissos. Tudo o que fiz na Educação foi feito com um acordo com o PSD. Sou um grande apologista de acordos entre os dois principais partidos, tenho pena que isso não esteja a ser possível. 

Não receia que uma solução de Bloco Central permita o crescimento das forças mais extremistas?

Só existe esse risco se o governo governar mal. Se dividirem o país e os despojos. Na Alemanha o SPD está com a CDU, uma negociação que demorou quase três meses, mas que encontrou ao fim desse tempo um plano de ação comum. É um governo mais do que sólido e nem nos lembramos que existe uma coligação. Entre 1983 e 1985, numa solução de Bloco Central (a única testada), as coisas correram mal porque os partidos tinham um pé no governo e outro na oposição. 

Consegue explicar a derrota do PS nestas eleições? Meses antes seria impensável.

O PS não foi capaz de ganhar as eleições, a verdade é essa. Percebia-se nas sondagens que os socialistas não estavam a conseguir captar o voto de protesto, o que aconteceu é que a coligação perdeu mais de 700 mil votos e só metade foi para o PS. O voto no Bloco foi de protesto, mas também me parece que muitos votaram na ideia de que o BE poderia negociar uma nova solução governativa. Nessa matéria foram inteligentes, deram sinais muito claros disso nos últimos dias da campanha. O PS não foi capaz, não conheço as razões objetivas para isso, não sei. Mas a mensagem não passou e não seduziu os que votaram em protesto. 

Se bem percebi, a sua solução menos má seria a de uma coligação PSD-CDS com a abstenção do PS. 

Um governo PSD-CDS, com a abstenção do PS no Parlamento, seria a solução menos má entre todas as possibilidades ao dispor do Presidente da República. Um governo para a Europa que tranquilizaria as instituições europeias. Mas há várias maiorias que poderemos retirar das nossas conclusões. Há a maioria daqueles que acreditam na coligação de direita com o beneplácito do PS – aqui estão 70 por cento dos votos, uma coligação europeísta. Tem uma leitura significativa. Depois, há esta maioria de esquerda, uma maioria atípica apesar de aritmética que existe no Parlamento e no número de votos – na minha perspectiva, do ponto de vista ideológico é mesclada e um bocadinho confusa. 

Acredita que António Costa conseguirá e apresentará um compromisso sólido?

Acredito que tenha capacidade para poder encontrar uma solução de compromisso para governar. Não sei se isto é bom para o país ou não, tem é uma probabilidade baixa de correr bem. Agora, se ele consegue governar quatro anos com esta maioria de esquerda muda radicalmente a vida político-partidária portuguesa. 

Uma jogada muito arriscada.

Muitíssimo arriscada, de alto risco. Mas quando se faz uma acção de alto risco pode perder-se com alta probabilidade, mas quando se ganha é uma vitória retumbante. Creio que António Costa está apostado nessa solução, nessa hipótese. 

Incomoda-o a possibilidade de António Costa poder governar sem ter ganho as eleições?

É perturbador o Dr. António Costa poder ser primeiro-ministro tendo sido derrotado nas eleições. Perturbador para o sistema e para mim também. Sei bem que a democracia vale mais do que a tradição, mas há aqui uma quebra de procedimentos que não sei se, no final, valerá a pena. Não sei se o país lucrará com tudo isto, estou cético.   

Acha que Passos Coelho poderá aceitar ser primeiro-ministro num governo de gestão? Ou que o Presidente da República possa nomear um governo com essas limitações?

Penso que um governo de gestão é uma péssima solução, não seria útil para o país. Vejamos: durante estes próximos meses não podem ser marcadas eleições e manter um governo de gestão com todas as perturbações que se adivinham, com todas as mudanças que o país vai ter, com todas as decisões que não poderão ser tomadas, não me parece. É uma não solução para o problema. 

Se o Presidente da República o convidasse para integrar um governo de iniciativa presidencial, estaria disponível?

Não. Neste momento, com a idade que tenho, não me colocaria nessa perspectiva. De maneira nenhuma. 

Está a adaptar-se a esta sua nova vida? Não o imagino reformado.

Nem eu. Depois de 30 anos de Gulbenkian (muito ano), e de 49 anos de trabalho sem paragens, chegou agora um outro tempo. Tenho umas coisas soltas que me entretêm, coisas que me mantêm ligado a instituições e universidades, sempre dei importância à educação. As universidades fazem e farão parte da minha vida. 

E este seu espaço, o espaço em que nos recebe, já faz parte desse plano?

Já faz, sim. Comprei esta casa há uns três anos, trouxe a maior parte dos meus livros e estou a arrumá-los, a pouco e pouco. É uma espécie de um escritório onde poderei escrever, pensar, descansar também. Tenho aqui a documentação da minha vida, as notas pessoais enquanto ministro, professor, administrador da Fundação Gulbenkian. Tomo notas do que faço desde 1977. 

Falta-lhe uma televisão.

Não vejo televisão. Não vejo de todo. Leio jornais todos os dias. Para ter uma ideia, durante a última campanha eleitoral, não vi nenhum debate, telejornal ou comentário. Vi na noite eleitoral o discurso do Dr. Passos Coelho e um bocadinho do que disse o Dr. António Costa. Rigorosamente mais nada.

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