Foram sujeitos a perícias médicas por terem sido agredidos por irmãos, pais ou outros familiares. Ou por terem levado tareia do marido. E algum tempo depois acabaram por regressar ao Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses ((INMLCF), mas para o seu corpo ser analisado pelos médicos na mesa de autópsias.
Em três anos, houve dez casos assim neste instituto. Eram todos vítimas de crimes cometidos no seio da família – onde está a aumentar o número de homicídios. Aliás, segundo dados do estudo Homicídios em Contexto Familiar, elaborado pelo INMLCF a que o SOL teve acesso, quase metade dos assassinatos do país verificaram-se entre familiares. O estudo analisou os 254 homicídios cometidos entre 2012 e 2014 que chegaram à Medicina Legal e vai hoje ser apresentado na Conferência anual do INMLCF._
Para João Pinheiro, vice-presidente do INMLCF, que elaborou o estudo com o médico António Padilha, o facto de existirem casos de vítimas que aparecem mortas pouco depois de terem sido submetidas a análises médicas em resultado de agressões «é um dado que merece ser alvo de uma enorme reflexão».
Entre as dez vítimas que já tinham sido sujeitas a perícias estavam quatro homens e seis mulheres. Estas últimas foram assassinadas pelo cônjuge ou companheiro e a sua idade rondava os 47 anos. Já as vítimas do sexo masculino foram mortas por irmãos, pais e filhos e tinham em média 63 anos.
«É uma experiência horrível. Se percebemos que há perigo imediato, fazemos relatórios para o tribunal», explica João Pinheiro, admitindo que mesmo assim não se consegue evitar estes desfechos.
«Contudo, penso que as autoridades estão bem cientes da necessidade de melhorar a eficácia do sistema», diz.
No entanto, avisa, há situações em que «não se consegue sequer antever um fim trágico».
Foi o caso de Ana: numa quinta-feira quando foi vista por um perito do INMLCF_ até desvalorizou a agressão, dizendo que o companheiro seria incapaz de lhe voltar a fazer mal. Mas na segunda-feira seguinte, o homem foi esperá-la à porta de casa e esfaqueou-a até à morte.
‘É problema de saúde pública’
Os crimes cometidas no seio da família estão a aumentar, evidencia o estudo coordenado por João Pinheiro, que diz que há anos, como 2013, em que os homicídios nas famílias representaram metade dos homicídios. Os outros foram cometidos em assaltos, rixas ou estavam relacionados com tráfico de droga ou prostituição.
A violência conjugal está por detrás da maioria dos crimes em seio familiar: em três anos, 65,8% dos homicídios foram entre pessoas que tinham uma relação de intimidade. O agressor são quase sempre os maridos, seguindo-se os companheiros e os ex-companheiros . «É um problema de saúde pública em que, por vezes, o primeiro e único sintoma é a morte», diz João Pinheiro. Mas há outros fenómenos em crescimento como a violência contra os idosos. «Estão mais relacionados com situações da vida moderna: filhos desempregados que tiveram de regressar a casa dos pais em condições sociais e afetivas difíceis». Estes idosos são muitas vezes o sustento financeiro do agregado e não têm força para se opor, alerta o vice vice-presidente do INMLCF: «Aqui também há um padrão repetido de agressões._E há um dia que explode, rebenta».