Diz-me com quem andas…

Há vários Partidos Socialistas – como há vários Partidos Sociais Democratas e vários Cê-Dê-Esses.

O PS de Soares era um, o de Sampaio era outro, o de Guterres outro ainda, o de Sócrates também – e o de António Costa idem.

No tempo de Guterres, o PS – que se reclamava da ‘terceira via’ – era um partido situado ao centro, rejeitando quaisquer entendimentos com o PCP.

Lembro-me de conversar com Guterres sobre este assunto na Versalhes, quando ele ainda estava na oposição; à minha pergunta sobre por que não fazia uma frente de esquerda com o PCP para ganhar as eleições, ele rejeitou vigorosamente a ideia, dizendo que isso seria fatal para o PS.

Nessa altura o PS era dirigido por pessoas dialogantes ao centro, que consideravam o Partido Comunista um partido antidemocrático.

No tempo de Sócrates as coisas mudaram.

Não ideologicamente, pois o PS continuou rigorosamente ao centro.

Aliás, Sócrates sempre elogiou Guterres, chegando a dizer-me que era «a pessoa mais inteligente» que ele conhecia.

A grande mudança no PS foi ao nível das pessoas que passaram a rodear o líder.

Armando Vara, José e Paulo Penedos, Rui Pedro Soares, Vítor Escária, etc., criaram um núcleo à volta de Sócrates que rapidamente estabeleceu relações de cumplicidade com empresários e banqueiros, facilitando os negócios.

Havia também uns ideólogos, como Augusto Santos Silva e Silva Pereira, mas o núcleo que verdadeiramente decidia era o outro, como é possível constatar pelas conversas telefónicas.

Aliás, Santos Silva ou Silva Pereira não deviam saber metade do que era discutido no círculo próximo do líder.

Agora, com a subida de António Costa ao poder, as pessoas voltaram a mudar no PS.

Já não são os moderados e dialogantes do tempo de Guterres.

Já não são os negociantes duvidosos do tempo de Sócrates.

São uns trauliteiros que não respeitam algumas regras elementares.

É inadmissível que António Costa não tenha estado na posse do novo Governo.

Para lá da guerra das palavras, há uma coisa que se chama ‘urbanidade’ e regular relacionamento institucional.

As pessoas que hoje rodeiam Costa transmitem uma imagem que não se coaduna com a de um partido moderado.

Vejam-se as recorrentes tiradas de Carlos César, o presidente do partido, e comparem-se com o que dizia Almeida Santos ou mesmo Maria de Belém.

Veja-se a linguagem terrorista usada por João Galamba ou Capoulas Santos, e compare-se com a dos dirigentes do tempo de Guterres.

Vejam-se as intervenções de Ferro Rodrigues, que mesmo na posse como segunda figura do Estado não foi capaz de evitar uma postura agressiva e rezingona, totalmente contrária ao espírito da função, com indiretas ao Presidente da República.

Vejam-se as caras de todos à saída das reuniões com o Presidente da República: as expressões de António Costa, Carlos César, Ana Catarina Mendes, Ferro Rodrigues…

Friso mais soturno era impossível.

Não foi por acaso que um certo tipo de pessoas rodeou Guterres, outro tipo rodeou Sócrates e outro ainda rodeia Costa.

António Costa é o espelho daquelas pessoas que o rodeiam – ou vice-versa.

Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és.

O grupo que acompanha Costa não engana ninguém.

 

Os migrantes e Angela Merkel

Já escrevi duas vezes sobre este assunto, dizendo o óbvio: a Europa não pode resolver a crise dos migrantes.

Por cada um que aqui se instala, vêm 10 atrás; e atrás destes virão 100; e esta corrente humana não terá fim.

Se tivesse acontecido uma catástrofe – um tremor de terra, por exemplo – e houvesse que receber populações desalojadas, o drama poderia ser resolvido assim.

Mas tratando-se de um êxodo, não pode.

A invasão do continente europeu por pessoas de outras culturas, professando outras religiões, que não dominam as línguas dos países onde se instalam, vai estimular o racismo, com o consequente crescimento dos partidos de extrema-direita.

A solução terá de ser encontrada, pois, nas zonas de origem e não aqui.

Nesse sentido, propus a criação de uma espécie de ‘estados de acolhimento’, geridos pela ONU, onde os migrantes em fuga pudessem instalar-se e trabalhar.

Isso seria largamente preferível aos campos de refugiados ou à vinda desordenada para a Europa, em condições terríveis, com sucessivos naufrágios e mortes.

Tudo isto ficou escrito.
Entretanto, Angela Merkel fez uma surpreendente declaração abrindo de par em par as portas do seu país aos migrantes e pedindo aos outros países da União Europeia para fazerem o mesmo.

Como podia Merkel, tão sensata a gerir a crise do euro, cair em tamanha insensatez?

Mesmo que a sua proposta fosse aceite e toda a Europa participasse no esforço de acolhimento, chegaria sempre o dia em que não seria possível receber mais gente.

E então, como se faria?

Que soluções se adoptariam?

Mas por que não começar desde já a aplicar essas soluções, em vez de adiar a questão, criando falsas esperanças e alimentando ilusões (além de incentivar o negócio dos traficantes)?

Mais depressa do que esperava, os problemas na Europa agravaram-se

Vários países começaram a construir muros e barreiras de arame farpado.

Os conflitos raciais agudizaram-se.

Na Polónia subiu ao poder um partido de extrema-direita.

E, de um momento para o outro, Angela Merkel passou de adorada no seu país a contestada.

Lê-se no Financial Times: «Merkel perdeu claramente o controlo da situação. Há pânico sob a superfície. Os custos estão a aumentar, os serviços sociais estão a dar de si, o nível de popularidade da Sra. Merkel nas sondagens está a descer e a violência da extrema-direita está em crescendo». E mais adiante: «Os receios sobre os efeitos sociais e políticos a longo prazo de acolher tantos recém-chegados – em especial do implosivo Médio Oriente – estão a ganhar terreno. Entretanto, os refugiados continuam a dirigir-se para a Alemanha a um ritmo de 10 mil por dia» (Gideon Rachman, especialista de política internacional).

Pergunto: mas tudo isto já não era previsível?

Como é possível que políticos experientes não tenham visto coisas tão óbvias?

Ainda que António Guterres, a quem compete defender os refugiados, faça certas afirmações, compreende-se.

Agora que alguns dos principais líderes europeus não tenham percebido que a solução do problema dos migrantes não podia ser esta, isso causa estupefacção.

jas@sol.pt