TAP: Neeleman mantém maioria do investimento e do lucro do consórcio

O consórcio Atlantic Gateway, formado por Humberto Pedrosa e David Neeleman para comprar 61% da TAP, já alterou a sua estrutura, passando de sociedade anónima para sociedade por quotas, com dois sócios e nove gerentes.

Mas, ainda que com nuances, há características do anterior modelo do agrupamento que se mantêm-se, segundo a documentação entregue na conservatória e analisada pelo SOL, cabendo agora à Autoridade Nacional da Aviação Civil avaliar se as mudanças cumprem as regras europeias.

Os novos estatutos da Atlantic Gateway – cujo capital social é de um milhão de euros – definem que a sócia HPGB, controlada pelo português Humberto Pedrosa e dona da maior quota (510 mil euros) fica obrigada a pagar prestações suplementares de capital até 11 milhões e 990 mil euros. Já a DGN Corporation, de David Neeleman e dona da restante quota (490 mil euros), terá de injetar até 12 milhões e dez mil euros.

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Contudo, o empresário de dupla nacionalidade (brasileira e norte-americana) fica também obrigado “à realização de prestações suplementares de capital” até ao montante de 202,5 milhões de euros. O pagamento deverá ser feito “em cinco prestações, a primeira das quais no montante de 134 milhões de euros, cujo pagamento será exigível no prazo estabelecido na deliberação da assembleia geral que proceder ao respetivo chamamento”. O valor remanescente será “realizado em quatro prestações de igual montante, que serão exigíveis no final de cada trimestre imediatamente após a deliberação da assembleia geral que proceder ao respetivo chamamento”.

Contas feitas, Neeleman terá de assegurar uma injeção de capital a rondar os 214,5 milhões de euros, tal como já estava estipulado nos estatutos depositados na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa em junho e agora reformulados.

Também o montante que Pedrosa terá de desembolsar é muito próximo dos 12 milhões anteriormente previstos.

Ainda assim, os novos estatutos da Atlantic Gateway introduzem como condição que um eventual reembolso de prestações suplementares pagas por Neeleman só poderá ocorrer 30 anos após o seu pagamento e mediante deliberação de 76% dos votos correspondentes ao capital social com direito de voto.

À semelhança do anterior modelo, um dos sócios continua a ter “direitos especiais”. Mesmo sendo minoritário, Neeleman mantém-se como principal fonte de capital da Atlantic Gateway e dispõe do “direito a que lhe sejam atribuídos 74,47% dos lucros que sejam distribuídos e 74,47% de todos os bens distribuídos em caso de liquidação”.

Relativamente aos órgãos sociais – e depois de a ANAC ter recomendado à Atlantic Gateway que a sua configuração demonstrasse “inequivocamente” o controlo efetivo do parceiro português – a assembleia geral, formada pelos sócios, aprova deliberações “por maioria dos votos emitidos em cada reunião”.

Matérias como a concessão ou reembolso de prestações acessórias e suplementares ou a distribuição de dividendos “devem ser aprovadas por uma maioria qualificada de 60% dos votos correspondentes ao capital social com direito de voto”. Já modificar os estatutos e a fusão, cisão, transformação ou dissolução da sociedade dependem da concordância de 76% dos votos.

Quanto às decisões da nova gerência, que substitui o conselho de administração e passa a incluir nove gerentes – entre os quais Fernando Pinto, o atual presidente do grupo TAP, tal como o SOL noticiou sexta-feira – serão válidas “quando aprovadas pela maioria dos gerentes”.

Há aspetos como empréstimos, emissão de dívida ou concessão de garantias, aprovação de determinados investimentos, operações de joint-venture e parcerias ou venda de ativos do grupo TAP que necessitam do voto favorável sete gerentes.

Segundo a informação registada na conservatória na semana passada a gerência é composta por Humberto Pedrosa, David Pedrosa, Fernando Pinto, Philippe Delmas, Sydney Isaacs, David Neeleman, Maximilian Urbahn, Robert Milton e Henri Courpron. E substitui o conselho de administração com cinco membros – que passaria a nove quando finalizada a privatização da TAP -, cujas principais deliberações dependiam de votos favoráveis de três (e depois de sete) administradores.

Por exemplo, uma das situações que deixa de requerer determinadas condições para ser aprovada é a nomeação dos membros dos órgãos sociais da TAP e subsidiárias, que na anterior versão dependia do voto favorável de três administradores (ou de sete, na versão de um conselho de administração com nove elementos).

A nova organização da Atlantic Gateway terá agora de voltar a ser analisada pela ANAC. Só um parecer positivo do regulador aeronáutico permitirá considerar o negócio legal à luz das normas da União Europeia, que impedem entidades ou cidadãos não comunitários de controlar companhias aéreas da Europa.

Por agora, a alteração dos estatutos do agrupamento escolhido para ficar com a maioria do grupo TAP – 34% ficarão na esfera pública – já levantou dúvidas.

Em comunicado, a Associação Peço a Palavra, que tem tentado travar a venda, classificou as alterações introduzidas por Pedrosa e Neeleman como “operação de cosmética”, argumentando que “não se encontram contempladas as imposições exigidas pela ANAC, nomeadamente as que obrigavam a que o controlo efetivo da empresa fosse do sócio português”. E adiantou já ter informado o regulador e a Comissão Europeia sobre a sua leitura da nova configuração do consórcio.

Do lado do executivo liderado por Passos Coelho, há urgência em assinar o acordo final da alienação até porque, a haver um Governo de esquerda, a intenção é reverter o negócio.

Na proposta de programa de Governo apresentada no sábado, o PS escreve que “não permitirá que o Estado perca a titularidade sobre a maioria do capital da TAP”, ou seja, pelo menos 51% da companhia deverão manter-se públicos.

ana.serafim@sol.pt