Pelo contrário, há quem considere que preocupar-se com os mercados significa não ligar às pessoas. Como se os portugueses não tivessem pago bem cara a quase bancarrota de 2011, que cortou o acesso aos mercados da dívida.
Claro que não é saudável que os mercados se sobreponham à política, tirando sentido à democracia. Esse é um problema que exige o enquadramento político internacional da globalização, algo que – a concretizar-se – levará o seu tempo. Para já, na situação portuguesa não ligar aos mercados pode trazer um segundo resgate, ou seja, uma nova e mais dura austeridade para as pessoas.
O anunciado, mas ainda desconhecido, acordo do PS com o PCP e o BE para apoiar um governo de António Costa suscita outras dúvidas sérias. O que une estes três partidos, juntos pela primeira vez desde a restauração da democracia em Portugal, é o repúdio da austeridade, diz Costa. Só que o líder do PS jura cumprir todas as regras do euro, em particular o Tratado Orçamental. Mas Jerónimo de Sousa garantiu que o PC irá votar no Parlamento contra tudo o que prejudique os trabalhadores, o povo e o país… E está contra aquele Tratado, que o PS aprovou na Assembleia da República. O BE, menos sólido ideologicamente, mas também marxista, não anda longe da posição do PCP.
Quer isto dizer que o acordo PS-PCP-BE não pode quedar-se por uma declaração genérica de intenções, sem especificar as medidas que serão tomadas – sobretudo em caso (muito provável, pelo que atrás se disse) de um agravamento do défice orçamental. Numa palavra, onde irá o putativo governo de A. Costa buscar o dinheiro para compensar o aumento de despesa e a quebra de receita do Estado? A menos que não cumpra as metas do défice…
Ora, a convite do PS o economista Mário Centeno, doutorado em Harvard e ex-quadro do Banco de Portugal, coordenou um grupo de economistas que em Abril passado apresentou um “cenário macroeconómico”. O que deu credibilidade às palavras de António Costa. Depois de Abril surgiram novas propostas de Costa, tendentes a agravar o défice das contas públicas. Estranhamente, aquele cenário não se alterou.
Depois, M. Centeno acompanhou as negociações do PS com o PCP e o BE, com vista a obter apoio parlamentar a um governo liderado por A. Costa. Correu também que M. Centeno se reuniu com dirigentes socialistas para lhes garantir que nunca seria posta em causa a promessa do PS de respeitar as regras do euro, nomeadamente o Tratado Orçamental.
Só que, vendo as exigências do PCP e do BE (mais despesa, menos receita pública), bem como a repetida afirmação de A. Costa de que o seu governo traria o fim da austeridade, parece impossível que em 2016 aquelas regras do euro sejam cumpridas, com as consequências negativas que se sabem. Será assim? Na próxima semana saberemos. Além do PS, claro, M. Centeno deve uma explicação aos portugueses.