Dito isto, confesso que, enquanto comedor de carne, sei que não é muito ético matar animais para comer. Um dia, quando era miúdo, questionando no supermercado a minha mãe sobre isso, recebi uma resposta tão pragmática quanto evasiva: «Os animais já estão mortos na mesma, portanto é indiferente se os comemos».
Obviamente esta explicação não me convenceu e hoje é com um certo peso na consciência que como carne. Evito, por exemplo, comer coelho ou aves sozinho – sinto-me mais confortável se o fizer acompanhado, um pouco à imagem dos pelotões de fuzilamento, em que a responsabilidade pela morte da vítima é partilhada por vários homens…
Já me aconselharam a ver alguns vídeos brutais sobre o negócio da carne, mas honestamente (ou cobardemente) prefiro não os ver. O que o fotógrafo Sebastião Salgado conta na sua autobiografia Da Minha Terra à Terra, acerca do que viu num matadouro no Dakota, Estados Unidos da América, já é o suficiente para me impressionar. «Foi assustador: matavam mil porcos por hora e duas mil vacas por dia! Os trabalhadores repetiam incessantemente o mesmo gesto sangrento em salas sem janelas. O odor era insuportável. No primeiro dia, foi impossível tirar uma única fotografia, não parava de vomitar. O espectáculo daquela produção industrial de salsichas causou-me tal repulsa que nunca mais comi cachorros-quentes».
Acredito que, num futuro distante, os povos mais civilizados já terão encontrado alternativas aos alimentos de origem animal e que esta fase – em que milhões de animais são chacinados todos os dias para satisfazer o nosso apetite – será considerada uma mácula na nossa história comparável à escravatura. Então, nós, os comedores de carne, seremos considerados uma horda de bárbaros. Sangrentos. Impiedosos. E porventura não muito melhores do que os animais que matamos para comer.