Refugiados já jogam à bola com colegas da escola

As nove crianças do grupo de refugiados que chegou este mês já começaram a frequentar as escolas do Agrupamento Infante Dom Pedro, em Penela. Segundo o diretor Avelino Santos, os estabelecimentos estão preparados e os alunos entusiasmados e curiosos por receberem colegas novos e de culturas diferentes. “Estranham um pouco as meninas usarem o lenço…

Foi no início desta semana que Avelino Santos recebeu a visita das famílias. A manhã de quarta-feira, dia 11, assinalou o primeiro dia de aulas das crianças que pertencem ao grupo de 45 refugiados que vieram da Síria e do Sudão e que estiveram meses num campo de refugiados do Egito. Nenhum integra a lista de 4.500 refugiados que a União Europeia atribuiu a Portugal e que deverão começar a chegar em breve. “Explicamos aos alunos que eles não fazem parte daquelas pessoas que vemos na televisão a chegar nos barcos”, refere.

As crianças têm entre os três e os 13 anos. Há dois irmãos gémeos sudaneses, de 12 anos, uma menina, de 13, e um casal de irmãos, com 11 e nove, que agora frequentam o 4.º ano de escolaridade. No grupo encontram-se também dois meninos de três anos e um de quatro que foram colocados no jardim de infância e outra criança, de cinco anos, que está na turma do pré-escolar. “Parecem-me com vontade de se integrar e viver esta nova fase. Começaram logo a jogar futebol com os novos colegas”.

A vinda deste grupo de refugiados estava prevista há vários meses, o que permitiu que este agrupamento de Penela se preparasse, estando incluído num grupo de trabalho com vários organismos, como o Alto Comissariado para as Migrações, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, o Município e a Fundação ADFP – Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional.

Com estas entidades, o agrupamento traçou um plano faseado para que estas crianças sejam integradas com sucesso, não só na escola como no município de Penela: “Numa primeira fase será necessário um período de adaptação ao meio e à língua portuguesa. Depois, consoante a integração, poderá avançar-se para um plano multidisciplinar com a aprendizagem básica de conteúdos curriculares”, explica Avelino Santos. E para isso, o agrupamento conta com a ajuda de uma tradutora de árabe e de um professor de português para estrangeiros.

Terão aulas apenas com estes dois professores durante um período de tempo indeterminado. “Vamos ver tudo isto passo a passo. De 15 em 15 dias, ou todos os meses, iremos reunir para ver a evolução”.

Mas se em Penela o acolhimento escolar destas crianças foi preparado com detalhe, o mesmo não acontece em relação às que virão inseridas no grupo de 4.500. Várias escolas contactadas pelo SOL queixam-se de não terem qualquer informação por parte do Ministério da Educação e Ciência (MEC) sobre como deverão integrar os refugiados. Mas garantem estar preparadas por terem entre os seus alunos alguns migrantes.

Psicólogos pedem rastreios

No entanto. os professores de Português avisam que se deve ponderar a hipótese de os alunos ficarem um ano a aprender a língua portuguesa e os psicólogos sublinham a necessidade de se reforçar o apoio psicológico nas escolas. “Se estiverem integrados numa turma regular, estudam literatura e gramática, o que é muito avançado para o conhecimento de língua portuguesa que realmente têm. Diria que é sempre aconselhável passarem um ano letivo apenas a aprender a língua”, explicou ao SOL Teresa Vieira Cunha, da direção da Associação de Professores de Português, acrescentando que, dependendo do ano escolar em que se encontram, quatro ou cinco aulas de 50 minutos por semana poderão ser suficientes.

Já a psicóloga Cláudia Vieira considera que a existência de apenas um psicólogo em cada agrupamento de escolas, como sucede atualmente, poderá ser insuficiente: “Os psicólogos escolares terão uma disponibilidade muito reduzida para darem a atenção que estas crianças merecem”, alertou, considerando que “o mais importante será fazer um rastreio para perceber se têm problemas emocionais, e qual a sua dimensão”. Também a Ordem dos Psicólogos defende a realização deste despistes. “Assim como farão um rastreio para a saúde física, as agressões psicológicas a que foram sujeitas justificam um rastreio da sua saúde mental. Ainda se está a tempo de o fazer e planificar, mobilizando meios para esse efeito”, diz o Bastonário Telmo Mourinho Baptista.

O Centro Português para os Refugiados (CPR) – segundo o qual, a principal perturbação destes menores é o stress pós-traumático – partilha da mesma opinião e sublinha a importância da comunidade escolar fazer pesquisa sobre o país de origem destas pessoas para conhecer o seu contexto cultural. Mas algumas escolas já tomaram a iniciativa de sensibilizar os alunos neste sentido. A Secundária de Camões tem mobilizado os estudantes para contribuírem com bens de primeira necessidade que irão doar, em parceria com o CPR, aos refugiados, tendo também realizado palestras sobre o tema da migração. “É muito importante consolidarmos os valores de solidariedade e sermos uma escola inclusiva”, disse Nazaré Santos, professora de Geografia.

Filinto Lima, diretor do Agrupamento Dr. Costa Matos, de Vila Nova de Gaia, voluntariou-se para receber estas crianças nas escolas. “O nosso projeto educativo valoriza a solidariedade e, deste modo, tentaremos operacionalizá-la com gestos concretos”, lê-se no e-mail que enviou ao MEC. A SOL, acrescentou: “Somos um povo solidário e que sabe receber bem. Por isso, acredito que as escolas terão capacidade plena para trabalhar com os refugiados”.

Chegada tem sido adiada

As quatro famílias de refugiados que estão a viver em Penela fazem parte da quota de 45 recolocados que todos os anos chegam a Portugal ao abrigo de um acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Este processo é distinto do estabelecido agora com a Comissão Europeia para o acolhimento dos mais de 4.500 refugiados nos próximos dois anos. Os primeiros 30 destes refugiados deverão chegar  ao país até final do mês vindos de Itália, depois de Portugal ter-se oferecido para receber “de imediato” uma centena de migrantes. A chegada deste primeiro grupo tem sido adiada desde Outubro, devido às dificuldades burocráticas de identificação e registo. 

*com Joana Ferreira da Costa

simoneta.vicente@sol.pt