O primeiro mergulho na obra de Francisco António de Almeida, “notável compositor setecentista português”, aconteceu há já uns anos. “Dez, se fizermos bem as contas”, especifica Marta Araújo, cravista e cofundadora d’Os Músicos do Tejo, grupo que nasceu, precisamente, em 2005, com a cumplicidade do músico, maestro e investigador Marcos Magalhães.
Foi La Spinalba que cativou o interesse dos dois instrumentistas para a obra(-prima, segundo os críticos) de De Almeida. Daí que, em privado, durante ensaios caseiros, fosse comum reproduzirem partes da ópera, criando uma relação com a partitura que os impelia a apresentá-la em palco.
O desejo materializou-se em 2008, quando Mega Ferreira, então presidente do Centro Cultural de Belém, deu-lhes o aval para avançarem. A aceitação do espetáculo foi tal – “três recitais esgotados”, lembra Marcos – que o CCB firmou o acordo de ter uma ópera por ano assinada pela formação. Seguiram-se outros projetos de “música orquestral”, cumprindo os objetivos que motivaram a criação d’Os Músicos do Tejo de “fazerem música antiga portuguesa, como ópera, oratórias, missais”.
Mas a vontade de prolongar a existência daquele espetáculo que correu tão bem, contrariando a condição “efémera de cada apresentação ao vivo”, impulsiono-os a gravar a ópera. Convictos de que tinham material “raro e inédito”, bateram à porta da editora Naxos, uma das mais prestigiadas a nível mundial de música clássica. E, mais uma vez, terem iniciativa própria revelou-se um sucesso.
A editora interessou-se pela gravação e o lançamento de um CD triplo de La Spinalba concretizou-se em 2012, tornando-se “um dos discos mais vendidos da Naxos desse ano”. Intervalo suficiente para pensar em nova interpretação de Francisco António de Almeida, “o nosso Vilvadi”, como o descreve Marcos.
A serenata Il Trionfo d’Amore, cujo manuscrito estava em Vila Viçosa, foi a segunda obra do compositor que Os Músicos do Tejo abordaram e o percurso que o projeto tomou é semelhante ao de La Spinalba. Em 2013, Marcos dirigiu o espetáculo no CCB e, agora, a peça chega aos escaparates das lojas num CD duplo, novamente com o selo da Naxos.
Estreada no dia 27 de dezembro de 1729, no dia de São João Evangelista, santo onomástico de D. João V, o rei que encomendou a serenata, Il Trionfo d’Amore foi escrita pouco depois de De Almeida ter terminado dos estudos em Roma. “Da mesma maneira que vinham músicos de outras cortes estudar cá, o rei também enviava bolseiros para fora. Francisco António de Almeida foi para Roma aperfeiçoar a sua escrita musical e revelou-se um dos mais talentosos compositores nacionais”, conta Marta. E Marcos acrescenta: “Na altura, as serenatas eram eventos que se faziam à noite. Eram serões musicais oferecidos pelo rei à corte”.
Antes de Os Músicos do Tejo terem tocado a serenata – “uma apologia do amor verdadeiro, em detrimento dos planos arquitetados pelos deuses ou pelo poder vigente” – ,já tinha sido feita uma interpretação moderna da mesma, em 1994, sob a direção de Jorge Matta. Ainda assim, contam os instrumentistas, o trabalho de transcrição foi moroso.
“Até ao século XIX, o compositor não dava muitas indicações. Havia uma linguagem comum e os músicos tocavam com base nisso”, explica Marcos, afirmando que a sua interpretação de Il Trionfo d’Amore é “historicamente informada” com a leitura de “muitos tratados sobre o período barroco e a arte de ornamentação da época”. “É um pouco como o jazz atual. Há muita coisa que não está escrita, mas sabe-se o que se tem de fazer”, acrescenta.
Recuperar “um património só nosso” e “mostrar como a música portuguesa tem qualidade” é um dos fatores que mais motiva Marta e Marcos a perseguir estes projetos. Além do disco, brevemente vai ser possível ver Os Músicos do Tejo ao vivo em duas ocasiões: a 13 de dezembro, na Igreja da Graça, numa apresentação integrada nos Concertos de Natal da Egeac; e no dia 1 de abril de 2016, na Gulbenkian, num concerto inédito que une música e cinema, criado em conjunto com o realizador Pedro Costa. “O nosso trabalho está muito virado para os artistas do passado. Desta vez, quisemos homenagear os artistas do nosso tempo e convidar uma pessoa cujo trabalho admiramos imenso e que cria de forma tão ambiciosa como os autores dos séculos XVII e XVIII que normalmente interpretamos”.
Fotografia de Miguel Silva/SOL